por Carlos Alberto Sardenberg
Imaginem o seguinte: um ministro do Supremo Tribunal Federal convoca
produtores, atacadistas, comerciantes e consumidores, todos devidamente
representados por suas associações, mais funcionários do governo
federal, para fixar o preço das batatas em todo o Brasil. Não um preço
qualquer, mas que seja “bom” para todas as partes.
Ridículo, não é mesmo? Como é que fariam uma tentativa a sério —
patrocinada pelo STF! — para buscar um objetivo impossível? Seria o
Supremo organizando um cartel, uma grave violação à lei da livre
concorrência. Um produtor que quisesse vender sua batata com desconto
estaria cometendo uma ilegalidade.
Pois substituam batata por frete rodoviário — e teremos exatamente o que
está acontecendo. O ministro Luiz Fux consulta associações de
caminhoneiros e do agronegócio, mais membros do governo e da
Procuradoria-Geral da República — a primeira reunião foi ontem — para
tabelar o preço do frete rodoviário.
Ou seja, está organizando um cartel — o que já é ilegal e um baita
equívoco econômico e político. Mas é também um cartel duplamente
injusto, pois deixa de fora muita gente interessada, a começar pelos
consumidores brasileiros que pagarão os preços dos produtos
transportados.
Dirão, assim pelo óbvio: fretes não são batatas; um serviço não pode ser misturado com um tubérculo.
Mas a questão do preço é a mesma. Ou é livre mercado ou é tabelado. Nos
dois casos, o tabelamento, ilegal, causaria graves desequilíbrios
econômicos.
Considerem o frete. Como um grupo organizado pelo STF pode saber qual o
preço do quilômetro rodado em todas as estradas deste país? E mais: para
os variados tipos de caminhão e diferentes cargas e viagens? Assim,
qualquer preço tabelado estará errado, caro para uns, barato para
outros, fonte de lucro aqui, prejuízo ali.
Claro que as partes tentarão passar os custos para a frente. Se o frete
da batata da fazenda até o supermercado ficar muito caro, para lucro dos
transportadores, os produtores e comerciantes tentarão passar para o
varejo, que não terá alternativa senão tentar passar para o consumidor
ou simplesmente não comprar, se desconfiar que o consumidor não vai
pagar. Isso dá ou inflação ou desabastecimento ou as duas situações ao
mesmo tempo.
Pior, vai acabar faltando batata para o consumidor e frete para o
caminhoneiro — como já está ocorrendo com diversos produtos agrícolas,
pois está em vigor uma tabela de frete baixada pelo governo e que todo
mundo sabe que é impraticável.
A bobagem repetida é achar que se pode encontrar uma outra tabela que seja justa para todos.
Não existe isso. É simples assim, não há preço justo para todos — há
apenas o preço definido pelo mercado. O que acaba prevalecendo, pois
ninguém cumpre uma tabela tão equivocada.
Chama-se a polícia se um caminhoneiro quiser cobrar mais barato que o
preço oficial? Ou tentar cobrar mais caro porque a estrada está um barro
só?
Que tal, então, tabelar tudo?
Parece absurdo, é absurdo, mas muita gente ainda acha que pode
funcionar, mesmo que todas as experiências mundiais de congelamento e
tabelamento tenham dado errado.
Como dizia o sábio Mario Henrique Simonsen: é uma regra
latino-americana, essa de achar que uma política errada deve ser tentada
indefinidamente .... até dar certo.
Cartel do auxílio
E tem também a história do auxílio-moradia dos juízes. Eles estão
recebendo o benefício faz tempo, com seus vencimentos superando o teto
salarial, mas uma ação de inconstitucionalidade chegou ao Supremo. O
ministro Luiz Fux, relator do processo (e autor da liminar que permite o
pagamento até o momento) mandou o caso para uma arbitragem patrocinada
pela Advocacia-Geral da União. O órgão convocou associações de
magistrados e de outros interessados, mais funcionários do governo, para
arbitrar uma solução.
Começou errado. Faltou ali pelo menos uma parte interessada: o contribuinte brasileiro, que vai pagar a conta.
De todo modo, a comissão não conseguiu arbitrar nada, e o caso voltou ao
STF. Mas a comissão fez sugestões de como encaminhar uma saída.
Com qual propósito?
Adivinharam: para legalizar de vez o pagamento do auxílio. Não ocorreu a
ninguém dizer que simplesmente o benefício é ilegal — quer dizer, foi
legalizado por gambiarras feitas pelos beneficiados — e duplamente
ilegal quando fura o teto salarial e triplamente errado quando pago a
casais de magistrados que têm casa própria.
É difícil arrumar uma lei para legalizar isso tudo. Mas continuam tentando. E tentando passar a conta.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
O Globo
extraídaderota2014blogspot
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