por Gil Castello Branco
O engenheiro da Força Aérea Americana Edward Murphy foi o responsável,
em 1949, pelo projeto que pretendia medir a tolerância humana à
aceleração excessiva. Em um dos testes era necessário colocar 16
sensores em diferentes locais do corpo de um piloto de provas.
Havia duas maneiras de colocar os sensores, mas alguém instalou todos os
16 sensores de maneira errada. Ao checar o que havia acontecido, Murphy
formulou a lei que, na forma original, é: “Se há duas ou mais maneiras
de fazer alguma coisa e uma delas pode resultar em catástrofe, alguém o
fará dessa maneira”.
Lembrei-me da Lei de Murphy na semana passada quando da edição da Medida
Provisória (MP) nº 841 que criou o Sistema Único de Segurança Pública
(Susp). De fato, os números da violência no Brasil são alarmantes. Em
2016, foram 62.517 homicídios, estatística semelhante às de países em
guerra. Algo precisa ser feito, ninguém discorda. A questão crucial é se
a única solução para ampliar os recursos da segurança é retirar R$ 514
milhões do esporte, R$ 319 milhões da cultura, além de outros valores
milionários da saúde e da educação, tal como está na MP. Se não
bastasse, o esporte não será beneficiado com a Lotex, uma nova loteria
que será criada com premiação recorde, tornando-se mais atrativa do que
as demais. Será que não existem outras fontes para bancar o Susp? Uma
rápida consulta aos dados dos Três Poderes mostra alternativas
interessantes.
No Legislativo, o Fundo Partidário (R$ 888,7 milhões) e o Fundo
Eleitoral (R$ 1,7 bilhão) totalizam neste ano cerca de R$ 2,6 bilhões.
Se somado R$ 1 bilhão da isenção fiscal oferecida aos veículos de
comunicação pela transmissão do “horário eleitoral gratuito”, chega-se a
R$ 3,6 bilhões para custear os 35 partidos políticos existentes no
Brasil e as suas fundações. O Congresso Nacional custa R$ 28 milhões por
dia. Um deputado tem até 25 assessores, e um senador, pasmem, chega a
ter 99 subordinados. O recordista em quantidade de servidores é o
senador Hélio José (PROS-DF), com 58 servidores em seu gabinete e outros
41 no seu escritório de apoio.
Os deputados estaduais e federais presos por corrupção que ainda mantêm
os mandatos custam aos cofres da União e dos seus estados cerca de R$
1,2 milhão por mês. O valor é a soma de salários, penduricalhos e de
verbas de gabinete de sete dos nove parlamentares que compõem a “bancada
de presidiários”.
No Executivo, existem 29 ministérios, ou órgãos com o mesmo status, que
abrigam 22.794 cargos de Direção e Assessoramento Superior e Funções
Comissionadas do Poder Executivo. Se reunidos todos os cargos, funções e
gratificações, atinge-se a 100.869, segundo dados de abril deste ano. E
o que dizer das isenções fiscais, ou seja, o montante que o governo
deixa de arrecadar para beneficiar determinados setores? Neste ano,
serão R$ 283,4 bilhões. Há isenções fiscais para salmão, ovas de peixe e
filé mignon...
No Judiciário, há vantagens de todos os tipos, inclusive férias de 60
dias e auxílio-moradia até mesmo para os magistrados que têm imóveis
próprios nas cidades onde residem e trabalham.
Uma outra questão importante é se, de fato, a verba arrancada do Esporte
e dos outros setores será efetivamente gasta. A intervenção federal no
Rio de Janeiro, decretada em 16 de fevereiro, é um bom exemplo. A verba
de R$ 1,2 bilhão foi autorizada por MP em 27 de março. Até a última
quinta-feira, tinham sido empenhados R$ 8.582,92 e nenhum centavo foi
pago. Foram adquiridas duas fragmentadoras de papel, 2 cilindros para
impressoras e 16 cartuchos de toner...
É até compreensível que se a verba do esporte fosse a última azeitona do
país, ela fosse colocada, em caráter emergencial, na empada da
segurança. Mas não é. Há uma oliveira de desperdícios e de privilégios. O
Estado brasileiro é paquidérmico, corporativo, ineficiente e caro. O
corte de R$ 514 milhões não resolve os problemas da Segurança e afeta
drasticamente o esporte, que tem papel relevante na formação dos jovens e
na prevenção primária à própria violência. Há muito o que enxugar, por
exemplo, antes de inviabilizar 10 programas esportivos e sociais do
Ministério do Esporte, que beneficiam 532 mil crianças e adolescentes.
Resta-nos esperar que o bom senso prevaleça. Na própria MP há fontes
alternativas, como os R$ 725 milhões destinados a aumentar os prêmios
das loterias. A MP do Susp não pode se espelhar na Lei de Murphy. Se há
duas ou mais maneiras de fazer alguma coisa e uma delas pode resultar em
catástrofe, há como evitá-la e adotar a forma correta.
Gil Castello Branco é economista e fundador da Associação Contas Abertas
O Globo
extraídaderota2014blogspot
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