por Merval Pereira
Se pudesse escolher melhor situação dias antes da abertura da Copa do Mundo, Vladimir Putin não faria por menos: Trump, alegadamente para mostrar-se forte diante do ditador norte-coreano Kim Jong- un, desmoralizou os demais presidentes do G-7 não assinando a declaração final do encontro, e dizendo que ele teria mais relevância se a Rússia estivesse presente.
Logo ele, presidente dos Estados Unidos, que liderou a expulsão do país do que era o G-8 em 2014, após a anexação da Crimeia. Outros fatos políticos ajudaram a azedar a relação de Moscou com o Ocidente: o apoio da Rússia à Síria de Bashar al-Assad, o envenenamento de espiões no Reino Unido e as investigações sobre a interferência russa nas eleições americanas, para ajudar Trump, semearam a discórdia.
Para Putin, a Europa e os Estados Unidos em crise são o melhor dos mundos. Ajuda a retomar seu projeto de poder, levando a Rússia ao protagonismo internacional novamente.
A Copa do Mundo tem tudo a ver com esse projeto. Mas o historiador da USP Ângelo Segrillo, considerado um dos maiores especialistas na região, considera um erro classificar Putin de antiocidental.
Ele afirma em seu livro “De Gorbachev a Putin, a saga da Rússia do socialismo ao capitalismo” que Putin é um “ocidentalista moderado”. Os choques com os Estados Unidos se deveriam a uma visão pragmática do presidente, que “defende os interesses estatais russos contra potências estrangeiras”.
Citando Hobsbawn, Segrillo diz que a Rússia, no final do século XX, passou por dois momentos históricos de importância crucial para o mundo: depois de ter sido o primeiro país a fazer a passagem do capitalismo para o socialismo, trilhou o caminho inverso, e agora renasce como grande potência, sob a batuta de Putin.
Acompanhei o início dessa reviravolta. Em 1991, fui fazer um curso na Universidade Stanford, na Califórnia, como bolsista da John S. Knight Fellowship. Meu projeto foi uma especialização em política internacional, e um dos módulos do curso era sobre a União Soviética.
A primeira imagem que vi na televisão quando cheguei ao hotel em Palo Alto foi a de Boris Yeltsin em cima de um tanque, em frente à sede do parlamento, no centro de Moscou.
Os golpistas, comandados pelo vice-presidente Guennadi Yanayev, pelo chefe da KGB e pelo ministro da Defesa, anunciaram que Gorbachev estava “incapaz de assumir suas funções por motivos de saúde” e decretaram o estado de emergência. Queriam acabar com a Perestroika (reconstrução) e a Glasnost (abertura), reformas que tiravam o poder do Partido Comunista.
No primeiro dia de aula, o professor Alexander Dallin, um dos mais respeitados especialistas em União Soviética, nos surpreendeu: durante aquele ano, o melhor era ler o “New York Times” todos os dias e ver os noticiários da televisão, pois o curso acompanharia a crise da União Soviética, em tempo real dentro do possível naquela época.
Graças à ação de Yeltsin, o golpe fracassou, e Gorbachev voltou ao poder, mas completamente fragilizado. O poder real estava com Boris Yeltsin, de tendência populista, famoso por demitir membros do partido comunista por corrupção.
Tornou-se o líder de oposição a Gorbachev. Eleito chefe do Soviet Supremo da Rússia em 1990, levou o Congresso ao rompimento com a União Soviética, saindo do Partido Comunista em seguida. Um ano depois, venceu a eleição para presidente da Rússia com 57% dos votos, derrotando o candidato apoiado pelo rival.
Depois de declarar a independência da Rússia, baniu o Partido Comunista. Assinou com os presidentes da Bielorrúsia e da Ucrânia um pacto que dissolvia a União Soviética.
Boris Yeltsin presidiu a Rússia até 1999, quando foi substituído por Putin, que desde então lidera uma democracia formal, mas com clara tendência autoritária.
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