Jornalista Andrade Junior

terça-feira, 26 de junho de 2018

OS DEZ PRINCÍPIOS CONSERVADORES

 por Russell Kirk.

(foto by Andrade Junior)
Não sendo nem uma religião nem uma ideologia, o corpo de opiniões denominado Conservadorismo não possui um Livro Sagrado nem um Das Kapital para prover dogmas. Até onde é possível determinar em quê acreditam os conservadores, os primeiros princípios da convicção conservadora são derivados do que professaram os principais escritores e homens públicos conservadores durante os últimos dois séculos. Após algumas observações introdutórias neste tema geral, prosseguirei e listarei dez destes princípios conservadores.
Talvez fosse melhor, na maioria das vezes, usar a palavra “conservador” principalmente como um adjetivo. Pois não existe um Modelo Conservador, e o conservadorismo é a negação da ideologia: é um estado da mente, um tipo de caráter, um modo de olhar para ordem social civil.
A atitude a que chamamos conservadorismo é sustentada por um corpo de sentimentos, mais do que por um sistema de dogmas ideológicos. Em geral um conservador pode ser definido como alguém que se define como tal. O movimento conservador, ou corpo de opiniões, pode acomodar uma considerável diversidade de perspectivas em muitos temas, não havendo um “Test Act” ou “Trinta e Nove Artigos” do credo conservador.
Em essência, a pessoa conservadora é simplesmente aquela que acha as coisas permanentes mais satisfatórias do que o “Chaos and Old Night” (NT: Kirk alude aqui ao poema épico Paradise Lost de John Milton). (Embora os conservadores saibam, com Burke, que a “mudança saudável é o meio de nossa preservação”). A experiência histórica continuada de um povo, dizem os conservadores, oferece um guia para a política muito melhor que os projetos de filósofos de cafeteria. Mas, é claro, há muito mais para a convicção conservadora do que esta atitude geral.
Não é possível esboçar um catálogo simples das convicções dos conservadores. Entretanto, ofereço a você, sumariamente, dez princípios gerais. Parece seguro dizer que a maioria dos conservadores subscreveria a maior parte destas máximas. Em várias edições de meu livro The Conservative Mind listei certos cânones do pensamento conservador – a lista difere, de algum modo, de uma edição para outra; em minha antologia, The Portable Conservative Reader, ofereço variações sobre este tema. Agora apresento a você um resumo dos pressupostos conservadores que difere de algum modo de meus cânones naqueles dois livros. Em si, a diversidade de maneiras pelas quais as perspectivas conservadoras podem encontrar expressão é por si prova de que o conservadorismo não é uma ideologia fixa. Quais princípios são enfatizados por conservadores durante determinada época variará com as circunstâncias daquela época. Os dez itens de crença que se seguem refletem a ênfase dos conservadores na América hoje em dia.
Primeiro, o conservador acredita na existência de uma ordem moral perene.
Que a ordem é feita pra o homem, e o homem é feito para a ordem: a natureza humana é constante, e as verdades morais são perenes.
Ordem significa harmonia. Há dois aspectos ou tipos de ordem: a ordem interior da alma, e a ordem externa da comunidade. Vinte e cinco séculos atrás Platão ensinou esta doutrina, mas mesmo os instruídos de hoje em dia acham-na difícil de entender. O problema da ordem tem sido sempre a principal preocupação dos conservadores desde que conservador tornou-se um termo político.
O mundo do século XX experimentou as consequências hediondas do colapso da crença na ordem moral. Como as atrocidades e desastres da Grécia cinco séculos antes de Cristo, a ruína das grandes nações no século XX mostra-nos o fosso no qual caem as sociedades que erradamente tomam o hábil interesse próprio ou engenhosos controles sociais como agradáveis alternativas a uma ordem moral “antiquada”.
Tem sido dito por intelectuais liberais que os conservadores acreditam que todas as questões sociais, em essência, sejam questões de moralidade privada. Propriamente entendida, esta afirmação é totalmente verdadeira. Uma sociedade na qual homens e mulheres sejam regidos pela crença numa ordem moral permanente, por um forte senso de certo e errado, por convicções pessoais sobre justiça e honra, será uma boa sociedade – qualquer que seja a organização política que ela possa utilizar; enquanto que uma sociedade na qual homens e mulheres estejam moralmente à deriva, ignorantes das normas e intencionem principalmente a satisfação dos apetites, será uma sociedade má – não importa quantas pessoas votem e não importa quão liberal sua constituição formal possa ser.
Segundo, o conservador adere ao costume, às convenções e à continuidade.
É a antiga tradição que capacita as pessoas a viverem juntas pacificamente. Os destruidores de costumes destroem mais do que desejam ou sabem. É através da convenção – uma palavra muito violentada em nossa época – que conseguimos evitar a disputa perpétua a respeito de direitos e deveres: a lei, em seus fundamentos, é um corpo de convenções. A continuidade é o significado de vincular geração a geração, importa tanto para a sociedade como para o indivíduo, sem isto a vida é sem sentido. Num tempo em que revolucionários bem sucedidos têm apagado antigos costumes, escarnecido de antigas convenções, e quebrado a continuidade das instituições sociais, porque atualmente descobriram a necessidade de estabelecer novos costumes, convenções e continuidade. Porém este processo é doloroso e lento, e a nova ordem social que eventualmente emerge pode ser muito inferior à antiga que os radicais derrubaram em seu entusiasmo pelo Paraíso Terrestre.
Os conservadores são defensores dos costumes, convenções e continuidade porque preferem o diabo conhecido ao diabo que não conhecem. Ordem, justiça e liberdade, acreditam, são produtos de uma longa experiência, o resultado de séculos de testes, reflexões e sacrifícios. Então, o corpo social é um tipo de corporação espiritual comparável à igreja. Pode mesmo ser chamado de comunidade das almas. A sociedade humana não é uma máquina para ser tratada mecanicamente. A continuidade, sangue vital de uma sociedade, não deve ser interrompida. O lembrete de Burke sobre a necessidade de mudança prudente, está na mente do conservador. Mas a mudança necessária, argumenta o conservador, deve ser gradual e discriminada, nunca quebrando antigos interesses imediatamente.
Terceiro, conservadores acreditam no que pode ser chamado princípio da prescrição.
É o senso conservador de que as pessoas modernas são anões nos ombros de gigantes, capazes de enxergar mais longe que seus ancestrais apenas devido à grande estatura daqueles que nos precederam no tempo. Consequentemente os conservadores quase sempre enfatizam a importância da prescrição – isto é, das coisas estabelecidas pelo uso imemorial, de modo que a mente humana não caminhe ao contrário. Há direitos para os quais o principal reconhecimento público é a antiguidade – incluindo, quase sempre, direitos de propriedade. Similarmente, nossa moral é em grande parte prescritiva. Conservadores argumentam ser improvável que nós modernos façamos qualquer grande descoberta em moral, política ou propensão. É perigoso pesar cada questão passageira na base do julgamento e racionalidade particulares. O indivíduo é tolo, mas a espécie é sábia, declarou Burke. Em política fazemos melhor obedecendo ao precedente, ao preceito e mesmo ao preconceito, pois a grande incorporação misteriosa da raça humana adquiriu uma sabedoria prescritiva muito maior que qualquer insignificante racionalidade particular.
Quarto, conservadores são guiados por seu princípio de prudência.
Burke concorda com Platão que num homem de estado a prudência seja a maior virtude. Qualquer medida pública deve ser julgada por suas prováveis consequências de longo prazo, não apenas por sua vantagem temporária ou popularidade. Liberais e radicais, dizem os conservadores, são imprudentes: pois eles traçam seus objetivos sem dar muita atenção ao risco de novos abusos, piores que os males que esperam eliminar. Como colocou John Randolph, de Roanoke, a Providência move-se lentamente, enquanto o diabo sempre se apressa. Sendo a sociedade humana complexa, os remédios, para serem eficazes, não podem ser simples. O conservador declara que age apenas após reflexão suficiente, tendo pesado as consequências. Reformas repentinas e profundas são perigosas como cirurgias repentinas e profundas.
Quinto, conservadores prestam atenção ao princípio da diversidade.
Conservadores sentem afeição pela intrincada proliferação de instituições sociais de longa data e pelos modos de vida, distintos da estreita uniformidade e sufocante igualitarismo dos sistemas radicais. Para a preservação de uma diversidade saudável, em qualquer civilização, devem sobreviver ordem e classes, diferenças nas condições materiais e muitos tipos de desigualdades. As únicas formas verdadeiras de igualdade são a igualdade do Julgamento Final e igualdade perante um justo tribunal da lei. Todas as outras tentativas de nivelamento levarão, na melhor das hipóteses, à estagnação social. A sociedade requer líderes capazes e honestos, e se as diferenças institucionais e naturais são destruídas, brevemente algum tirano ou algum bando de oligarcas sórdidos criarão novas formas de desigualdade.
Sexto, conservadores são refreados por seu princípio de imperfectibilidade.
A natureza humana sofre irremediavelmente de certas faltas graves, sabem os conservadores. Sendo o homem imperfeito, nenhuma ordem social perfeita pode ser criada. Devido à inquietação natural, a espécie humana se rebelaria sob uma dominação utópica e eclodiria uma vez mais em descontentamento violento, ou senão, expiraria em tédio. Procurar pela utopia é terminar desastre, dizem os conservadores: não somos feitos para as coisas perfeitas. Tudo que podemos esperar razoavelmente é uma sociedade aceitavelmente ordenada, justa e livre, na qual alguns males, desajustamentos e sofrimentos continuarão a espreitar. Pela atenção adequada à reforma prudente podemos preservar e melhorar esta ordem aceitável. Mas se as antigas salvaguardas institucionais e morais de uma nação são esquecidas, então a o impulso anárquico da espécie humana desprende-se: “a cerimônia da inocência é suprimida”. Os ideólogos que prometem a perfeição do homem e da sociedade têm convertido grande parte do mundo, desde o século XX, num inferno terrestre.
 Sétimo, conservadores estão persuadidos de que propriedade e liberdade estão intimamente vinculadas.
Dissocie propriedade de posse privada e o Leviatã torna-se o dono de tudo. Sobre o fundamento da propriedade privada grandes civilizações são construídas. Quanto mais ampla a posse de propriedade privada, tanto mais estável e produtiva é a comunidade. Nivelamento econômico, sustentam os conservadores, não é progresso econômico. Ganhar e gastar não são os principais propósitos da existência humana, mas uma sólida base econômica para a pessoa, a família e a comunidade, é muito desejável.
O Sr Henry Maine, em seu Village Communities, expressa robusta defesa da propriedade privada como distinta da propriedade comunal: “Ninguém é livre para atacar a múltipla propriedade e dizer ao mesmo tempo que valoriza a civilização. As histórias de ambas não podem ser desentrelaçadas”. Pois a instituição da múltipla propriedade – isto é, propriedade privada – tem sido um poderoso instrumento para ensinar responsabilidade a homens e mulheres, por prover motivos de integridade, por estimular a cultura geral, por elevar a espécie humana acima do nível de mera labuta, por fornecer tempo para pensar e liberdade para agir. Ser capaz de conservar os frutos do trabalho de alguém; ser capaz de assegurar que o trabalho de alguém seja duradouro; ser capaz de legar a propriedade de alguém para a posteridade; ser capaz de elevar o homem da condição natural de pobreza opressiva para a proteção da realização duradoura; possuir algo que seja realmente sua propriedade– são benefícios difíceis de negar. Os conservadores sabem que a posse de propriedade estabelece certas obrigações sobre o proprietário, eles aceitam alegremente estas obrigações morais e legais.
Oitavo, conservadores apoiam a associação voluntária, tanto quanto se opõem ao coletivismo involuntário.
Embora os Americanos tenham sido fortemente vinculados à intimidade e à privacidade, eles também têm sido um povo notório por um bem sucedido espírito de comunidade. Numa comunidade genuína as decisões que afetam mais diretamente as vidas dos cidadãos são tomadas voluntariamente e localmente. Algumas destas funções são realizadas por entidades políticas locais, outras por associações privadas: tanto quanto elas sejam mantidas locais, e sejam marcadas pela concordância geral daqueles que são afetados, elas constituem uma comunidade saudável. Mas quando estas funções passam, por definição ou usurpação, a uma autoridade centralizada, então a comunidade está sob séria ameaça. Tudo o que seja beneficente ou prudente na democracia moderna torna-se possível através da cooperação voluntária. Se, então, em nome de uma democracia abstrata, as funções da comunidade são transferidas para uma direção política distante, o governo real, pelo consenso dos governados, cederá a um processo de padronização hostil à liberdade e à dignidade humana.
Pois uma nação não é mais forte que as numerosas pequenas comunidades das quais é composta. Uma administração central, ou um grupo de seletos administradores e servidores civis, embora bem intencionado e bem treinado, não pode oferecer justiça, prosperidade e tranquilidade sobre uma massa de homens e mulheres despojados de suas antigas responsabilidades. Este experimento foi feito antes, e foi desastroso. É o desempenho de nossas obrigações na comunidade que nos ensina a prudência, a eficiência e a caridade.
Nono, o conservador compreende a necessidade de restrição prudente sobre o poder e sobre as paixões humanas.
Falando politicamente, poder é a capacidade de fazer algo que alguém queira, indiferente às vontades dos demais. Um estado no qual um indivíduo ou pequeno grupo é capaz de dominar as vontades de seus companheiros sem consulta é um despotismo, seja ele chamado monárquico ou aristocrático ou democrático. Quando cada pessoa afirma ser um poder por si mesma, então a sociedade cai na anarquia. Sendo intolerável para todos e contrária ao fato inelutável de que algumas pessoas são mais fortes e mais engenhosas que seus vizinhos, a anarquia nunca dura muito. À anarquia sucede-se a tirania ou a oligarquia, na qual o poder é monopolizado por alguns poucos.
O conservador empenha-se então em limitar e equilibrar o poder político para que a anarquia ou a tirania não possam surgir. Em cada época, entretanto, homens e mulheres são tentados a derrubar as limitações sobre o poder, por amor a alguma vantagem temporária imaginária. É característico do radical que ele pense no poder como uma força para o bem – desde que o poder esteja em suas mãos. Em nome da liberdade, os revolucionários Franceses e Russos aboliram as antigas limitações ao poder, mas o poder não pode ser abolido, ele sempre encontra seu caminho para as mãos de alguém. Aquele poder que os revolucionários pensavam opressivo nas mãos do antigo regime tornou-se, muitas vezes, tirânico nas mãos dos novos controladores radicais do estado.
Conhecendo a natureza humana como sendo uma mistura de bem e mal, o conservador não coloca sua confiança na mera benevolência. Restrições constitucionais, pesos e contrapesos políticos (divisão de poderes), cumprimento adequado das leis, a velha intrincada teia de restrições sobre desejos e apetites – são restrições que os conservadores aprovam como instrumentos de liberdade e ordem. Um governo justo mantém uma saudável tensão entre a afirmação da autoridade e a afirmação da liberdade.
Décimo, o pensador conservador entende que permanência e mudança devem ser reconhecidas e reconciliadas numa sociedade vigorosa.
O conservador não se opõe ao aperfeiçoamento social, embora duvide que haja qualquer força tal como um místico Progresso, com P maiúsculo, em funcionamento no mundo. Quando uma sociedade está progredindo em determinados aspectos, está regredindo em outros. O conservador sabe que qualquer sociedade saudável é influenciada por duas forças, as quais Samuel Taylor Coleridge chamou Permanência e Progressão. A Permanência de uma sociedade é formada por aqueles interesses e convicções duradouros que nos dão estabilidade e continuidade. Sem a Permanência, as nascentes de grande profundidade são interrompidas, a sociedade decai na anarquia. A Progressão numa sociedade é aquele espírito e aquele corpo de habilidades que nos instigam à reforma prudente a ao aperfeiçoamento. Sem esta Progressão, o povo estagna.
Portanto o conservador inteligente empenha-se em reconciliar as afirmações de Permanência e as afirmações de Progressão. Ele pensa que o liberal e o radical, cegos às justas afirmações da Permanência, arriscariam a herança que nos foi legada numa tentativa de nos conduzir para um duvidoso Paraíso Terrestre. O conservador, em resumo, prefere o progresso razoável e moderado. Opõe-se ao culto ao Progresso, cujos adeptos acreditam que qualquer coisa nova seja necessariamente superior a qualquer coisa antiga.
Mudança é essencial para o corpo social, raciocina o conservador, assim como é essencial ao corpo humano. Um corpo que tenha cessado de se renovar, começou a morrer. Mas para que este corpo seja vigoroso, a mudança deve ocorrer de forma regular, em harmonia com a forma e a natureza daquele corpo. De outra maneira a mudança produz um crescimento monstruoso, um câncer, que devora seu hospedeiro. O conservador preocupa-se com que nada na sociedade deva ser inteiramente antigo, e que nada deva ser, nunca, inteiramente novo. Este é o significado de conservação de uma nação, tanto quanto seja o significado de conservação de um organismo vivo. Quanta mudança uma sociedade requer, e que tipo de mudança, depende das circunstâncias da época e da nação.
Tais, então, são dez princípios que têm amplamente emergido durante dois séculos de pensamento conservador. Outros princípios poderiam ter sido discutidos aqui: por exemplo, o entendimento conservador de justiça, ou a perspectiva conservadora de educação. Mas tais temas, com o passar do tempo, devo deixar para sua própria investigação.
A grande linha de demarcação na política moderna, como costumava destacar Eric Voegelin, não é a divisão entre liberais de um lado e totalitários do outro. Não, em um lado desta linha estão aqueles homens e mulheres que imaginam que a ordem temporal seja a única ordem, que as necessidades materiais sejam as únicas necessidades, e que podem fazer o que bem quiserem com o patrimônio da humanidade. Do outro lado desta linha estão aquelas pessoas que reconhecem uma ordem moral permanente no universo, uma natureza humana constante, e altas obrigações diante da ordem espiritual e da ordem temporal.
*Adaptado por Kirk de The Politics of Prudence
**Traduzido por Flávio Ghetti
***Publicado em tradutoresdedireita.org











extraídadepuggina.org

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