LUIZ FELIPE PONDÉ FOLHA DE SP
Talvez uma das características mais difíceis do amadurecimento seja o fato dele exigir uma certa “paciência do conceito”. Esta paciência significa a capacidade de resistir ao desespero diante da lentidão da construção versus a rapidez da destruição. Tudo demora a ser construído (às vezes 2.000 anos ou mais), enquanto a destruição atinge a velocidade da luz em segundos. Assim é no amor, na vida em família, no trabalho, na economia, em sociedade, na política.
Ter raiva do governo e dos políticos brasileiros é um clássico e não há dúvida que a lida do governo com os bens derivados do petróleo tem sido da pior espécie. Deviam vender a Petrobras e pronto. O governo Temer foi de uma irresponsabilidade nesse tema dos caminhoneiros que merecia receber o troféu Canalha do Ano. Todos que pensam minimamente sabem que chegamos à beira de uma ruptura institucional. E aí chegamos ao ponto que me parece importante hoje.
Gostaria de analisar três frases ditas por vários tipos de pessoas nesses dias, em reuniões de amigos, no trabalho, nas redes, na mídia em geral. Antes de tudo, esclareçamos algo.
Em política, quando fazemos uma crítica sem oferecer uma solução, estamos no âmbito da “metafísica delirante”. Não adianta dizer “vamos acabar com esses ladrões do país” sem dizer como.
E a política odeia o vácuo: ou você oferece representatividade institucionalizada ou a violência preenche esse vácuo. A política é o campo da violência. Quando se brinca com a ruptura institucional, brinca-se com a violência livre.
Todo regime político é um sistema que busca conter essa violência (seja para o bem ou para o mal, tanto a contenção quanto a violência). No meu entender, aqueles que tentam dar uma conotação política “revolucionária” positiva ao movimento dos caminhoneiros flertam com o vácuo político e, portanto, com a violência. Da greve fomos ao terrorismo social.
Portanto, a pergunta que nós brasileiros devemos fazer é: quanto estamos dispostos a pagar pela violência que movimentos como o dos caminhoneiros e similares podem trazer para o nosso cotidiano? Porque política é violência sempre, depende apenas das formas em que se materializa. Acho que muita gente aqui quer brincar de Oriente Médio ou Venezuela. Ou África.
Mas, vamos a mais duas dessas frases que, ao meu ver, demonstram uma certa imaturidade política que beira o retardo mental. Os idiotas da política tomaram conta do Brasil nesses dias.
“Vamos devolver o Brasil ao povo brasileiro”. Quem vai devolver? O que é exatamente “o Brasil” que esse sujeito quer devolver? E o povo brasileiro é o quê? O imaturo deve pensar nele, no seu tio e no seu cachorro, mas, quem é esse “povo brasileiro”? A pátria de chuteiras? Como esse “povo” vai governar “esse Brasil”? Uma frase como essa carrega toda a imaturidade travestida de consciência política que se pode imaginar em poucas palavras.
Mas, o que pode ser lido nessa frase que signifique algo para além da imaturidade crua? Há nela a expectativa de que um milagre aconteça e o “Brasil seja devolvido ao povo brasileiro”. Esse milagre se chama intervenção militar, o que significa um episódio de gestão da violência de forma que a violência fique mais ameaçadora e explícita. De novo, imaturidade. E aqui nada vai contra a importância ou a dignidade das Forças Armadas no país.
Outra pérola: “Quero que falte comida na sua casa pra você se juntar a nós e derrubarmos os três Poderes”. O que essa frase quer dizer por “falte comida na sua casa”? Por acaso quem diz uma pérola dessa tem ideia do que é uma ordem social dissolvida no cotidiano? Sei, inteligentinhos dirão que há fome no país. Mas, esses mesmos inteligentinhos enchem os restaurantes gourmets com seus menus saudáveis.
Quando as pessoas passam fome e passam à violência, o cotidiano se desmancha em todos os níveis. Da ida à escola ao supermercado, da dissolução dos mecanismos de contenção da violência à instauração de mecanismos mais violentos ainda de contenção dessa mesma violência.
E “derrubar os três Poderes”? Vamos colocar um tanque de guerra no lugar?
Luiz Felipe Pondé
Pernambucano, é escritor, filósofo e ensaísta. Doutor em filosofia pela USP, é professor da PUC e da Faap.]
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