por José Casado O Globo
Tudo começou na quinta-feira 11 de julho de 2013. No início do
expediente, o delegado federal Márcio Adriano Anselmo encontrou sobre a
mesa de trabalho um despacho do juiz Sergio Moro autorizando a
interceptação dos telefones de Carlos Habib Chater e das “empresas
controladas por ele, usualmente em nome de pessoas interpostas”. No
ofício, estavam ressaltadas com um “especialmente” as linhas usadas em
três empresas de Brasília (Angel Serviços, Torre Comércio e Posto da
Torre). Era o nono “evento” dentro de um processo (nº
5026387-13.2013.404.7000) sobre a rotina de lavagem de dinheiro num
empreendimento em Volta Redonda (RJ).
Logo, fez-se um derivativo processual, a investigação de um associado de
Chater, flagrado ao telefone. Era Alberto Youssef, um dos 62 doleiros
que Moro mandara prender nove anos antes por lavagem de dinheiro. Em
2014, Youssef foi novamente preso, e o país soube da existência da
Operação Lava-Jato.
Passaram-se quatro anos. Ontem, assistiu-se na Câmara à mais recente
consequência política dessa investigação, a abertura do ritual para
derrubada de um presidente. Se confirmado, será o segundo governo a
cair, por motivos diferentes, nos últimos 12 meses.
Não é pouco para uma sociedade que retomou a vida em regime democrático há apenas três décadas.
Dos quatro presidentes escolhidos nas urnas, desde então, somente dois
(Fernando Henrique e Lula) conseguiram passar a faixa presidencial ao
sucessor eleito. Outros dois foram depostos, por impeachment. Collor
acabou punido pelo Congresso com a cassação dos direitos políticos,
mesmo depois da renúncia ao mandato, mas foi absolvido no Supremo por
falta de provas sobre os crimes imputados. Dilma, impedida por fraude
nas contas de um governo marcado pela crise aberta pela Lava-Jato,
acabou preservada da punição por uma vírgula inexistente no texto
constitucional, criada pelos então presidentes do Supremo, Ricardo
Lewandovski, e do Senado, Renan Calheiros.
Agora, julga-se Michel Temer, duas vezes colhido por Dilma como vice,
com apoio de Lula, e cuja ascensão ao Palácio do Planalto, no ano
passado, foi respaldada pelo PSDB de Fernando Henrique. A base é a
própria voz de Temer em gravação com um empresário corruptor, numa
espécie de confissão extrajudicial.
O cenário que está aí foi descrito há exatos 13 anos, num artigo
publicado sobre o que ocorrera na Operação Mãos Limpas, realizada na
Itália no início dos anos 90: “A independência judiciária, interna e
externa, a progressiva deslegitimação de um sistema político corrupto e a
maior legitimação da magistratura em relação aos políticos
profissionais foram, portanto, as condições que tornaram possível o
círculo virtuoso gerado [pelas investigações].” Quem escreveu foi o juiz
federal Sergio Fernando Moro. Acabara de mandar prender seis dezenas de
doleiros em uma dúzia de cidades, entre eles Youssef. As prisões desses
lavadores de dinheiro afetaram o fluxo de financiamentos para
candidatos a prefeito e vereador nas eleições municipais de 2004. Alguns
dos favoritos perderam nas urnas, por inanição monetária. Dos que
sobreviveram, muitos agora estão enredados na Lava-Jato, junto a Temer,
Dilma e Lula. Na roda do tempo, a crise de legitimidade política que
está aí é obra dos próprios políticos
extraídaderota2014blogspot
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