editorial do Estadão
Levou mais de uma década, mas finalmente alguns dos simpatizantes
petistas que morriam de amores por Lula da Silva começam a perceber que
seu guru talvez não seja, como diz, a “viva alma mais honesta deste
país”. Intelectuais que ainda festejam o chefão do PT como o mágico que,
da noite para o dia, “fez o pobre viajar de avião” e “o filho da
empregada entrar na universidade” estão sendo obrigados a admitir uma
certa decepção com Lula, especialmente depois dos depoimentos da Lava
Jato que expuseram as relações promíscuas entre ele e os principais
empreiteiros do Brasil.
É espantoso que pessoas com relativo preparo acadêmico tenham demorado
tanto para perceber aquilo que a maior parte dos brasileiros, inclusive
os de poucos estudos, já sabe pelo menos desde 2005, quando estourou o
escândalo do mensalão. Já naquela oportunidade foi necessário um grande
esforço de negação da realidade para não admitir que o PT não tinha a
pureza ética que apregoava ter. Também era necessária uma boa dose de
ingenuidade para acreditar em Lula quando ele dizia nada saber sobre a
compra de parlamentares em troca de apoio no Congresso e alegava ter
sido “traído”.
Nem mesmo a prisão de alguns dos principais companheiros de Lula em
razão do escândalo foi capaz de despertar a consciência desses
intelectuais. Eles passaram, pelo contrário, a dizer que José Dirceu e
os tesoureiros petistas colocados na cadeia eram “guerreiros do povo
brasileiro” e “presos políticos”. E passaram a cerrar fileiras com Lula
na tarefa de convencer os brasileiros de que o mensalão não havia sequer
existido.
Veio então a Lava Jato, que desmontou o espetacular esquema de corrupção
do PT e de seus associados para dilapidar o Estado. O mensalão havia
sido apenas um ensaio do grande assalto. Quase nenhuma área importante
da máquina pública ficou imune à pilhagem. Como resultado, mais petistas
foram para a cadeia e começaram a surgir informações de que Lula talvez
tivesse sido beneficiado pessoalmente pelo propinoduto.
Foi o bastante para que uma onda de indignação tomasse intelectuais e
artistas, empenhados em assinar diversos manifestos em desagravo a seu
grande líder. A acusação, invariavelmente, era de que a “República de
Curitiba”, em referência à força-tarefa da Lava Jato, só tinha um
objetivo: alijar Lula da corrida presidencial de 2018, para impedir a
volta do projeto “popular” de governo depois do “golpe” que derrubou a
presidente Dilma Rousseff. O último manifesto dessa turma, aliás, dizia
que foi Lula quem “deu significado substantivo e autêntico à democracia
brasileira” e que somente ele seria capaz de “garantir ao povo
brasileiro a dignidade, o orgulho e a autonomia que perderam”.
Enquanto isso, mais e mais evidências de que Lula recebeu favores de
empreiteiros desafiavam a versão segundo a qual as suspeitas que pesavam
sobre o petista eram apenas parte de um novo “golpe”. Veio então o
depoimento de Emílio Odebrecht, patriarca da empreiteira que leva o nome
da família, que contou detalhes sobre seu relacionamento com Lula desde
os anos 70.
A revelação de que é antiga, calorosa e proveitosa a relação de Lula com
a empreiteira que está no centro do maior escândalo de corrupção da
história brasileira parece ter sido demais mesmo para os mais dedicados
lulistas. Alguns já anunciaram ruptura total; outros apenas ensaiam um
discurso para salvar as aparências depois de décadas reverenciando o
mito agora questionado. Estes últimos dizem que estão decepcionados com
Lula porque ele se deixou levar pelas benesses do poder, mas ainda
defendem o petista como o “melhor presidente” do País por seu espírito
estatizante.
Ora, não é preciso ser um grande pensador para saber que a corrupção que
tanto decepciona esses intelectuais só atingiu o atual nível em razão
justamente da expansão da máquina estatal promovida por Lula. Quanto
maior o Estado, maiores as oportunidades de assaltá-lo – especialmente
quando se tem na Presidência alguém que, como Lula, não diferencia o
público do privado.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
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