Jorge Béja
O chamado “Empréstimo Consignado” não deixa de ser empréstimo bancário em que aposentados, pensionistas e servidores públicos tomam dos bancos onde o poder público deposita seus proventos. Portanto, é uma operação casada e triangular. Casada, porque o banco somente empresta para quem nele recebe seus proventos mensalmente. E triangular porque dela participam os tomadores do empréstimo (aposentados, pensionistas e servidores) no banco onde o Poder Público efetua, mensalmente, os depósitos-pagamentos dos benefícios e o próprio Poder Público. Essa operação bancária deriva de leis. A primeira delas foi a Lei nº 10.820, de 17.12.2003. Depois vieram outras, mas sem alterações significativas e que pudessem mexer na sua essência.
É importante frisar que à luz do Direito Civil e mesmo Comercial, o Poder Público (seja o INSS, Estados, Municípios, Autarquias, Fundações e Empresas Públicas…) figura nessa operação, casada e triangular, como verdadeiro garante, avalista e fiador. Ele tem suas responsabilidades pela autorização que deu.
VEJAM UM EXEMPLO – Para ser claro e didático cito este exemplo hipótetico. Sou aposentado do INSS, que mensalmente deposita na minha conta bancária R$,4.032,21 a título de provento da aposentadoria, muito embora ao longo de toda minha vida laboral eu tenha contribuído para a previdência sobre 10 salários mínimos. Logo, a recíproca justa seria eu também receber 10 SM de proventos quando me aposentasse. Mas isso é outra história.
Voltemos ao caso objeto deste raciocínio. Então eu vou ao banco e tomo um empréstimo cujo pagamento será por longos meses na base de 30% dos proventos que recebo. Firmado o contrato, o dinheiro emprestado entra na minha conta e a cada mês o banco desconta 30% para amortizar a dívida, até sua quitação final.
Ora, quem garantiu essa operação bancária?. Foi meu vizinho? Foi o Eduardo Cunha? O Sérgio Cabral ou o José Dirceu? Nada disso. Quem garantiu e disse “pode emprestar que eu garanto” foi a lei que autorizou o ente público a fazer o empréstimo, e no meu caso, este ente público é o INSS. Agora, se o INSS não deposita mensalmente na minha conta corrente o provento da minha aposentadoria, que culpa tenho eu? Nenhuma culpa, não é? Sou duplamente lesado, pelo INSS, que não pagou os 70% do provento da minha aposentadoria e nem pagou ao banco os 30% para a amortização do empréstimo.
RESPONSABILIDADE – Devo ser responsabilizado? É claro que não. Os bancos sabem disso. O Poder Público, também. Eles (bancos e poder público) é que se entendam. A essa situação os Romanos denominavam de “Res Inter Alios Acta”, o que significa dizer “ação, demanda, disputa, briga entre terceiros, e eu de fora”.
A questão envolve também a Lei do Consumidor. Não apenas empréstimo bancário, mas toda as relações de clientes com os bancos são relações consumeristas e regidas pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor. E este Código é firme ao reconhecer que todo consumidor é a parte fraca, a parte hipossuficiente e vulnerável. Seja uma pessoa simples, que não sabe ler nem escrever, seja um magistrado.
PROCESSO DO JUIZ – A propósito, anos atrás fui advogado de um juiz do Rio, doutor Moysés Cohen, então titular da 11a. Vara Cível. Ele comprou um carro com as prestações ajustadas pela cotação do dólar. Não demorou muito, da noite para o dia, o dólar duplicou de preço. Isso feriu o princípio comutativo (equilibrio) do contrato. Fui à Justiça e a financeira alegou que o Dr. Moysés Cohen, por ser um magistrado, não era hipossuficiente nem vulnerável. No final do processo, vencido pelo juiz, a Justiça declarou que a vulnerabilidade e a hipossuficiência independiam da intelectualidade e do cargo do consumidor. Todos somos vulneráveis e hipossuficientes. Consumidor é sempre a parte fraca na relação de consumo.
Aqui no Estado do Rio existe uma lei (nº 7432/2016) que proíbe a inclusão do funcionário público com salário que não esteja em dia no rol de inadimplentes das instituições tipo Serasa, SPC e outras gigantes que não obram por benemerência e não têm piedade de nós.
Anos atrás discuti muito com o saudoso Sylvio Cunha, presidente do Club de Diretores Lojistas. Era um homem fidalgo. Todos os dias cumprimentava bem cedinho todos os funcionários do SPC. E era clemente. Bastava ir até ele e explicar sua situação que ele excluía, por conta própria, o nome do povo sofrido do cadastro do SPC. Ele mandava. Ele era a autoridade máxima. Era um santo que viveu entre nós. Tenho que esta lei, embora recente, retroaja para beneficiar. Por que não? Lei só não pode retroagir para prejudicar. Para beneficiar, é claro que pode. Pode e deve. É o povo, o aposentado, o servidor ferrado na vida que tão na berlinda.
Quem estiver vivendo esta dramática situação, vá até o banco. Sabemos que o banqueiro quer até nosso sangue. Helio Fernandes escreveu uma vez que banqueiro não gosta de ir a velório. Quanto vai, é a contra-gosto. Lá chega, não chora e nem reza. E fica de olho no defunto. Quando vão fechar o caixão enfiam a mão nos bolsos da roupa que o morto veste para saber se dentro tem algum dinheiro indo junto para o túmulo. Se tem, apanham antes. Hélio é genial e inteligentemente irreverente.
É BOM NEGOCIAR – Ainda assim, vá ao banco. Tente negociar. Suplique piedade. Mas se não der certo, procure a defensoria pública ou um advogado. E recorra à Justiça contra o banco e contra o ente público que não fez o pagamento mensal da sua aposentadoria.
Pode ser uma ação declaratória, com pedido de liminar para impedir que seu nome seja inscrito em cadastro de inadimplente, bem como para que seja declarado que você não é inadimplente, e que a eventual cobrança seja dirigida contra o ente público que financiou e garantiu o empréstimo e não honrou o compromisso de pagar seu provento mensal e, concomitantemente, a dívida do empréstimo.
extraídaderota2014blogspot
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