por Raul Velloso Com Blog do Noblat - O Globo
São muitos anos de descaso com a questão fiscal. No primeiro mandato de
Lula, iniciou-se a implementação de um regime previdenciário mais
equilibrado para os servidores públicos, ainda que o pleno impacto só
ocorresse muitos anos à frente. O fato é que, deixado à sua própria
sorte, o gasto exclusive juros da União cresceu nada menos que 344%
entre 2002 e 2014, bem acima do IPCA (108%). E mesmo descontando este (o
que reduziria o aumento para 113%), o gasto terá aumentado bem mais que
o PIB real (46%). Hoje, há uma gigantesca crise fiscal, e namoramos a
volta da hiperinflação.
O problema central, como venho dizendo há muito, é que cerca de 75% do
gasto federal é composto de pagamentos diretos a pessoas, como se fosse
uma gigantesca folha de pagamentos de benefícios previdenciários e
assistenciais, além do pessoal ativo e inativo. Deixado quieto, esse
tipo de gasto tende sempre a crescer. Caso se tente ajustá-lo, a
resistência contrária é enorme, pois quase tudo depende de emenda
constitucional (a propósito, por que não leiloar a gestão dessa folha
gigantesca ao setor privado, que faria um melhor serviço a custo bem
mais baixo e dispensaria a necessidade de milhares de servidores,
prédios, manutenção etc.?)
Nessa folha ampla, e para dados de 2012, o peso da conta de inativos e
pensionistas no gasto federal é da ordem de 10%, e, tendo em vista a
reforma light acima citada, será necessário muito tempo para comprimir
essa parcela. Bem maior que o peso dos inativos é o dos seguintes itens:
a) o gasto do INSS com pagamentos acima de um salário-mínimo — SM
(24%); b) a parcela do INSS que paga um SM (16%); c) os benefícios
assistenciais (12%), que são também basicamente referenciados ao SM.
Igualmente relevante é o peso do pessoal ativo no gasto total: 13%.
Assim, existirá sempre uma pressão enorme para aumentar o SM acima do
razoável (pela regra atual, ele já aumenta acima da inflação), e para
estender esse mesmo aumento para os demais benefícios. Haverá também uma
pressão permanente para tornar as regras mais benevolentes e para
ampliar sua cobertura, com o agravante de que passaremos por longo
período de envelhecimento mais rápido da população, o que aumentará
ainda mais o número de beneficiários (se assumirmos que cada
beneficiário sustenta duas pessoas, mais de metade da população
brasileira já estará pendurada nessa gigantesca folha, o que mereceria
uma reflexão mais demorada).
Preocupado com o futuro, elaborei, junto com colegas, em estudo
apresentado ao Fórum Nacional (veja em www.raulvelloso.com.br),
simulações da grande folha de pagamento até 2040, com base nas projeções
demográficas do IBGE. Mantidas as regras atuais e medida em porcentagem
do PIB, a despesa simplesmente dobraria. Ou seja, não caberia no PIB,
pois nossa carga tributária já é uma das maiores do mundo. Daí a solução
ser a reforma do sistema ou esperar que a hiperinflação volte e faça o
trabalho sujo de corroer benefícios e salários...
Felizmente, contudo, constatamos que é possível, com poucas reformas,
manter a razão “grande folha”/PIB constante. As principais simulações
que fizemos foram: estabelecer a idade mínima de aposentadoria no INSS
em 60 anos, reajustar o SM pelo PIB per capita, reduzir as pensões por
morte de 100% a 70% do benefício precedente, reajustar os benefícios de
idosos pobres e deficientes por 75% do SM, e aumentar a idade mínima
assistencial para 67 anos. Por que não enviar propostas como essas
imediatamente ao Congresso, junto com o aumento do percentual da
Desvinculação de Receitas da União (DRU), para 50% das receitas, sem
exceção? (a DRU perde sua validade no fim do ano, e resultou de sugestão
que dei ao então ministro FH. O que faz é desvincular 20% de boa parte
das receitas federais de qualquer uso cativo).
Voltando à rigidez do gasto, a distribuição dos restantes 25% do
Orçamento contempla: 8% para saúde, 4% para educação, 7% para os demais
gastos correntes, e, ao final, apenas 6% para investimentos, sendo
apenas 1% do gasto total para o investimento em transportes (?!). Nessas
condições, como esperar que a capacidade de produção da economia se
expanda suficientemente, quando quase tudo é gasto corrente, e, para
piorar, na prática os governos (como os do PT) assumem um viés
populista, que, contrariando o discurso oficial, emperra iniciativas
importantes como as concessões privadas de infraestrutura?
A conta dos gastos públicos sempre em ascensão só fecha se as receitas
crescerem à mesma taxa. Acabamos de passar um período de bonança
(2004-2008) em que isso só foi possível graças ao boom de commodities e à
elevada ociosidade herdada da fase precedente. Só que, em 2011-14, a
razão investimento/PIB e a produção industrial desabaram, e na sequência
a economia se estagnou. Agora, o PIB cai, enquanto o governo bate
cabeças dentro de si e com as demais forças políticas. Deveriam começar
pelo que sugeri neste artigo, pois, se bobear, a hiperinflação volta, e
serão os pobres quem pagarão, de novo, a gigantesca conta dos erros
governamentais.
extraídadetribunadainternet





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