Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

"O 9 de Julho, de Getúlio ao PT'

#JUNTOSVAMOSMUDARBRASILIA


"O 9 de Julho, de Getúlio ao PT'
Fernão Lara Mesquita
São Paulo comemorou, ainda com um feriado estadual (Marta Suplicy já tentou acabar com ele uma vez), o 82º aniversário da Revolução Constitucionalista de 1932 que muito pouca gente, neste
Estado e no resto do Brasil, sabe o que foi.
É impróprio, aliás, usar os verbos no passado para tratar deste
assunto. Pois a luta de 1932, que começara pelo menos 50 anos antes com o Movimento Abolicionista que desaguou na República e que por sua vez finca raízes na Guerra do Paraguai (1864-1870) onde começou a se formar a identidade nacional brasileira, é exatamente a mesma de hoje.
Gira em torno da seguinte pergunta: onde é que se quer instalar a
sociedade brasileira emancipada, do lado da civilização ou da
barbárie? No Estado de Direito regido pela Lei igual para todos ou nas
versões modernas do caudilhismo populista que se alimentam da
ignorância onde fala quem pode e obedece quem tem juízo? Numa
meritocracia onde só a educação e o esforço legitimam a diferença ou nas variações das misturas de autoritarismo e demagogia em que temos vegetado onde a cooptação e a cumplicidade com a corrupção são os únicos caminhos para o Poder e para a afluência?
O Movimento Abolicionista que, meio acidentalmente, deságua na
República, é o primeiro na História do Brasil a nascer nas ruas e não
nos palácios, como todos os que o antecederam, e a tomar o país
inteiro numa avassaladora mobilização cívica.
Ele nasceu sob inspiração direta da Revolução Americana. Muitos dosseus principais líderes brancos e negros – especialmente em São Paulo e em Pernambuco – frequentaram as mesmas casas maçônicas (precursoras da “rede mundial” onde tais processos se articulam hoje) em que a elite do Iluminismo fugida do absolutismo monárquico europeu, regime sob o qual vivia o Brasil e o resto do mundo de então, iniciou o debate que resultaria no desenho das instituições da democracia moderna.
Tratava-se de uma humanidade escaldada por dois mil anos dormindo sob o risco de sua majestade acordar de mau humor e mandar torturá-la até a morte sem ter de dar explicações a ninguém.
Para garantir que nunca mais fosse assim, aqueles conspiradores
estabeleceram os princípios fundamentais da democracia que ainda não chegou por aqui: o império da lei inclusive e principalmente sobre os governantes; a vontade popular, democraticamente aferida, como única fonte de legitimação dessas leis e o mérito individual como única fonte de legitimação do poder econômico; a descentralização do poder para garantir a fiscalização a mais direta possível dos representados sobre os representantes concentrando nos municípios todas as decisões que dissessem respeito a eles próprios, nos estados apenas as que se referissem aos assuntos que envolvessem mais de um município e na União só os que não pudessem ser resolvidos por essas duas instâncias, e mais as relações internacionais.
Por cima de tudo, para garantir que de fato assim fosse e que as
tentações do mando não produzissem os efeitos que sempre produzem no caráter dos homens, estabeleceu-se também que cada uma dessas instâncias de governo fossem divididas em três poderes autônomos e independentes, um encarregado de fiscalizar e contrabalançar os atos do outro.
Não foi à toa, portanto, que as testemunhas desse verdadeiro milagre,
algumas delas ex-escravos libertos como Luis Gama, autor da proposta de que a república brasileira fosse baseada nesses mesmos princípios e se chamasse República dos Estados Unidos do Brasil como o país de fato se chamou até o início do regime militar de 1964 (veja matéria sobre ele neste link), tivessem se encantado por esses ideais e dedicado suas vidas a plantá-los no Brasil.
Foi em nome deles que nasceu a República, foi em nome deles que foram feitas a Revolução de 1930 a redemocratização de 1945, o contragolpe de 1964 e a redemocratização de 1985.
Continuamos na mesma luta até hoje.
Getúlio traiu, como Lula, a bandeira da “ética na política” que levou
os dois ao poder em 1930 e em 2002. Getúlio adiando a convocação de uma Assembleia Constituinte e nomeando títeres como governadores dos estados até que São Paulo se levantasse contra a sua ditadura não declarada em 1932; Lula aliando-se a todos os paladinos da bandalheira na política que antes atacava para se perenizar no poder.
Foram 87 dias em que toda a população do Estado de São Paulo – homens e mulheres, pobres e ricos, da capital e do interior – pegou em armas numa guerra desigual contra os exércitos da União. Foi derrotado militarmente mas teve uma vitória moral tão indiscutível que Getúlio, depois de devolver o governo do estado a lideranças paulistas (na pessoa de Armando Salles de Oliveira), sentiu-se constrangido a
convocar finalmente a Constituinte que deu ao Brasil, em 1934, a única Constituição verdadeiramente democrática que ele teve.
Tão democrática que o caudilho não conseguiu conviver com ela e
“fechou” o país, em 1937, decretando a sua própria Constituição e
reinstalando a ditadura, num movimento semelhante ao que o PT pretende repetir agora decretando que nossas leis passarão a ser feitas não mais por um Congresso Nacional democraticamente eleito por todos os brasileiros mas pelos “movimentos sociais” que o partido eleger.
Um dos primeiros atos da ditadura varguista, além de extinguir os
partidos políticos, foi queimar as bandeiras dos estados na cerimônia
que você poderá assistir no filme que abre esta matéria. Os
“argumentos” para tal ato estão todos lá...
O PT também trata de centralizar o poder não pelos métodos explícitos possíveis nos anos 30 do último século do milênio passado, mas por meio de uma sucessão de Medidas Provisórias e outros expedientes sub-reptícios que, passo a passo, vão tirando atribuições e fontes de arrecadação dos governos estaduais e municipais de modo a deixá-los totalmente dependentes da União.
Getúlio fechou o Congresso; Lula comprou o Congresso. Getúlio instalou um Poder Judiciário teleguiado; Lula criou um Poder Judiciário colonizado. Getúlio instituiu o regime em que “Para os amigos, (o Estado dava) tudo; para os inimigos, (o Estado aplicava) a lei”; Lula instituiu o sistema das ações policiais seletivas e dos vazamentos para a imprensa dos “podres” dos seus adversários políticos de par com as suítes especiais para os poucos amigos presos antes da desmontagem do Poder Judiciário. Getúlio criou a indústria de base e a distribuiu entre os “amigos” que financiavam o regime; Lula reverteu a economia democratizada que recebeu na política dos “campeões nacionais” donos de monopólios setoriais financiados com dinheiro público e financiadores das campanhas do PT. Getúlio seduziu o povão com a outorga de direitos sem a contrapartida dos deveres; Lula comprou o povão com os salários sem a contrapartida do trabalho. Getúlio criou os sindicatos pelegos sustentados pelo Estado; Lula e o PT são o produto direto deles.
São Paulo resistiu sozinho a Getúlio; São Paulo vem resistindo até
aqui quase sozinho a Lula.
A luta de 1932, portanto, ainda não acabou. E em outubro próximo
haverá uma batalha decisiva.
Mais sobre este assunto:
1889, Getúlio e a razão do meu otimismo
Lira Neto, Gramsci e os Mesquita
1964: Um testemunho
Brasil veio de golpe em golpe até 64
Empacados no getulismo
Como sair desse brejo

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