Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

De bagre a tubarão: a nova Marina

APÓIO RODRIGO DELMASSO DEP. DISTRITAL 19123

Marina Silva construiu sua carreira associada a um discurso ambientalista, de luta contra transgênicos, crítica ao desmatamento, defesa dos pobres e intransigência de "princípios" -embora nunca se soubesse direito quais eram exatamente estes. A seu favor, contou ainda com uma história de vidarepleta de sofrimento e superações. Se esta trajetória deixou sequelas em sua saúde, ao mesmo tempo esculpiu uma imagem bem ao gosto de marqueteiros.
Esse capital, que sempre impulsionou a candidata e angariou a simpatia de milhões, agora está sendo jogado no lixo. A nova política, como os fatos têm demonstrado, é o rótulo que batiza não uma mudança de valores, mas a transformação da própria Marina. Um caso pensado de autodesconstrução.
As propostas da personagem repaginada são, no mínimo, desalentadoras. No campo da economia, repete sem nenhuma originalidade o estribilho do tripé estabilidade cambial, controle da inflação e equilíbrio fiscal. Acrescentou a independência do Banco Central, uma cantilena que soa como música entre o pessoal da banca.
As restrições a doadores eleitorais "impuros" também são coisas do passado. Agora, vale tudo, desde que jorre dinheiro na campanha. O combate aos transgênicos encontra-se devidamente engavetado. Quando se trata de costumes, nem se fale. Deu origem até a um fato inédito: uma errata de última hora num programa pronto há meses.
Na esfera da política, uma embromação atrás da outra. "Democracia transversal", "adensamento do programa" e pérolas do gênero por enquanto só produziram uma coalizão capenga, um avião-fantasma e a busca frenética por aliados de qualquer natureza. Nada mais velho e conhecido.
Junto a isso, surge mais um embuste. Vamos governar com os "melhores". Que diabo é isso? Francis Fukuyama, historiador americano, teve seus 15 minutos de fama quando decretou o fim da história. O marco seria a queda do Muro de Berlim. Os acontecimentos de lá para cá trataram de desmenti-lo redondamente. Ou seja, a diferença entre classes sociais, a desigualdade nadistribuição da riqueza e o abismo entre ricos e pobres estão aí, vivinhos da silva.
Nesta fase em que passou de bagre a tubarão, Marina tenta nos convencer de que desapareceram interesses em conflito. Chegou ao cúmulo de colocar no mesmo patamar Chico Mendes, o dono da Natura e o pessoal do Itaú, um dos líderes em demissões no setor financeiro. Só faltou incluir fazendeiros que armaram com êxito o assassinato do líder sindical.
Ocorre que o melhor para um banqueiro certamente não será o melhor para um endividado, assim como o certo para um evangélico pode ser errado para um católico ou ateu. A democracia autêntica, até onde se sabe, prevê um jogo político capaz de fazer valer a vontade da maioria -sem nunca impedir a expressão e os direitos das minorias. A visão messiânica, tão ao gosto de Marina, caminha no sentido contrário. Geralmente tem como epílogo a minoria dos "melhores" sufocando a maioria mais humilde.
Retomando algo já escrito outras vezes. O que o brasileiro quer saber é muito simples: o que os candidatos têm a oferecer para ampliar conquistas já obtidas. Haverá mais empregos ou uma onda de demissões? A aposentadoria vai mudar? O preço do pãozinho subirá? E o salário mínimo? Vem aí um tarifaço? A gasolina irá aumentar? Os juros cobrados pelos banqueiros continuarão nas alturas? As grandes fortunas serão taxadas? Quais medidas concretas serão tomadas para resolver questões como essas?
Ricardo Melo, 58, é jornalista.

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