Editorial do Estadão
Invocando a liberdade de expressão assegurada pela Constituição, a 1.ª
Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) cassou decisão da primeira
instância da Justiça Federal que obrigou um jornalista a retirar de seu
blog uma série de reportagens sobre vazamento de informações sigilosas
coletadas por delegados da Polícia Federal e procuradores da República
durante as investigações da Operação Lava Jato. Desde que as reportagens
sejam informativas e não tenham o objetivo de ofender a honra de
alguém, as diferentes instâncias da Justiça não podem impor qualquer
forma de censura, afirmaram os membros da 1.ª Turma do STF.
A discussão judicial começou quando a delegada Erika Marena e alguns
membros do Ministério Público Federal foram mencionados pelo blog do
jornalista Marcelo Auler como responsáveis pelos vazamentos. Alegando
que sua imagem funcional ficou maculada, a delegada pediu que os textos
fossem censurados, além de indenização por danos morais. Por meio de uma
liminar – portanto, antes de uma apreciação de mérito –, o pedido foi
acolhido por uma vara de primeira instância em Curitiba. Em recurso
apresentado ao Supremo, o jornalista alegou que a censura é uma afronta
às liberdades públicas e a 1.ª Turma da Corte reconheceu que os
advogados da delegada não instruíram o processo com provas que
comprovassem atitude dolosa por parte do jornalista.
Essa discussão é importantíssima, não há dúvida, mas não se circunscreve
apenas ao tema da liberdade de expressão. Ela também envolve uma outra
questão tão fundamental como a censura, que é o vazamento deliberado de
informações confidenciais colhidas em investigações criminais e em ações
penais que tramitam em segredo de Justiça, por parte de autoridades que
têm conhecimento dos fatos sigilosos por força de sua função. Essa é
uma prática que, apesar de ilícita, vem sendo usada em grande escala por
detentores de segredos, com o objetivo de constranger os investigados,
manipular a opinião pública e forçar delações. Apesar de o Estatuto do
Ministério Público da União vedar essa conduta, muitos procuradores, por
exemplo, a justificam alegando que vazamentos são uma forma de
“promover transparência e garantir o interesse público”.
Essa prática é tão comum que até informações reservadas de inquéritos
arquivados contra o presidente da República foram vazadas. “Informação
passada a conta-gotas tira o entendimento do todo e levanta a
desconfiança de manipulação”, disse, no começo de 2017, o ex-presidente
do STF Nelson Jobim, criticando essa prática. De lá para cá, porém, ela
se tornou tão acintosa que, quando as atividades do Judiciário foram
abertas no início deste ano, o ministro Dias Toffoli afirmou que alguns
jornalistas estavam recebendo cópias de petições da Procuradoria-Geral
da República (PGR) antes de elas serem protocoladas no STF. A
instituição está sendo desrespeitada, reclamou Toffoli, durante o
julgamento de um recurso impetrado por uma empreiteira acusada de
corrupção pela PGR.
Evidentemente, por ter se sentido atingida em sua imagem funcional
quando um blog a apontou como uma das responsáveis pelos vazamentos da
Lava Jato, a delegada entrou com uma ação judicial, o que é seu direito.
Já a Corregedoria da Polícia Federal teria não o direito, mas a
obrigação ética e o dever funcional de abrir imediatamente uma
sindicância para apurar o envolvimento de autoridades sob sua jurisdição
num caso evidente de violação de sigilo funcional. E o corregedor da
polícia ou do Ministério Público não teria opção, pois o segredo de
Justiça decorre da lei, senão a de instaurar inquérito para apurar a
violação do sigilo. Isso foi feito, nesse e em casos passados? E o
resultado dos inquéritos, se houve algum, é conhecido e se tornou
exemplo para mostrar o comportamento das autoridades?
O STF agiu corretamente quando derrubou a censura de reportagens que
mostravam os vazamentos de informações sigilosas por parte de membros da
força-tarefa da PGR em Curitiba. Mas seu grande desafio é deter de uma
vez por todas esses vazamentos, que são praticados justamente por quem
recebeu da Constituição a missão de zelar pela defesa da ordem
jurídica.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
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