por Percival Puggina.
Telefonou-me antiga secretária. Contou-me que, aposentada, voltou aos bancos escolares e cursa os últimos meses da titulação acadêmica que escolheu. “Marxismo de tudo que é jeito, em doses maciças, Puggina!”, exclamou-se ela. No início, contestava os professores, mas, lá pelas tantas, cansada dos repetitivos confrontos, impôs silêncio a si mesma para não se prejudicar. Contou que nos primeiros meses, sempre que apontava os sucessivos fracassos das experiências comunistas, os professores tiravam da manga o velho clichê: “Interpretaram mal o Marx”.
Quem ainda não ouviu isso em aula ou roda de amigos? Pois é. Marx é o indivíduo mais mal interpretado da história humana. Só a militância de esquerda, titular do quadro negro, proprietária do toco de giz, exercendo de modo monopolista o direito de atribuir nota a seus alunos é capaz de interpretá-lo corretamente. E assim, dentro da sala de aula, no estranho mundo de palavras onde a esquerda habita, as 43 experiências políticas do comunismo, com seus 100 milhões de mortos (aos quais se acrescenta agora o genocídio venezuelano) se tornam um problema de interpretação. Basta ler Marx adequadamente para o comunismo emergir purificado e se tornar um sucesso no mundo das palavras.
Embalados por professores aos quais foi dado o privilégio de interpretar Marx perfeitamente, políticos de esquerda, mundo afora, desenvolveram, como afirmou alguém, extraordinária capacidade de dizer e propor coisas terríveis de modo absolutamente cativante. Espalham ódio, acabam com as liberdades públicas, produzem fome e violência, mas o fazem sorrindo, em nome da fartura, da igualdade, da solidariedade e dos mais elevados valores que se possa conceber. E que se danem os fatos mesmo quando a realidade se mostra desengonçada do discurso. É o caso da Venezuela e do entusiasmado apoio da esquerda brasileira aos ditadores Hugo Chávez e Nicolás Maduro, e à autodenominada revolução bolivariana, com a população em fase de perda doentia de peso, a caminho de seu holodomor.
Talvez não tenha repercutido como deveria, fora do Rio Grande do Sul, a reação da delegação do Grêmio quando foi à Venezuela disputar, dia 15 de maio, contra o Monagas uma partida pela Libertadores da América. A fome da população, exibida em sua face mais dramática, chocou os jogadores, que coletaram dinheiro e deixaram por lá tudo que podiam. O atleta Cícero, assim se expressou, falando por todos: “Nós somos seres humanos. Eu vim de classe média-baixa e sei o que passei lá atrás. Eu cheguei e vi uma situação até arrepiante. Ser humano pegando prato de comida como se fosse o último dia de vida dele. A gente juntou uma coisa boa para eles. Essas coisas não tem preço na vida. Poder ajudar as pessoas”. E foi seguido pelo treinador Renato: “Chega a machucar o coração. Tivemos essa experiência já no ano passado. Recebemos pedidos para trazermos coisas como remédio, água, papel higiênico. Trouxemos bastante coisa. O mundo precisa olhar um pouquinho mais para a Venezuela. O que nós vimos e sentimos aqui nos últimos três dias choca. Fizemos a nossa parte, mas não é suficiente. Ajudamos algumas pessoas, mas a coisa aqui está muito feia”.
No mundo de palavras geradas na mente esquerdista, contudo, a Venezuela – “brilhante democracia popular” – tem um futuro revolucionário promissor. E assim será dito, até que os professores, em sala de aula comecem a ensinar que Marx foi mal interpretado por Chávez e Maduro.
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