Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 6 de junho de 2018

"Com adição de agrotóxicos, por favor",

por Carlos Andreazza

Tramita no Congresso, lentamente, a alcunhada Lei dos Agrotóxicos. Urgentíssima, para substituir a legislação de 1989, cuja defasagem põe em risco não o interesse de Blairo Maggi, mas o do brasileiro que compra milho no mercado. Desnecessário dizer, porém, que a proposta vai longamente amaldiçoada. Em trânsito de lesma na Comissão Especial da Câmara, ensejou, nas últimas semanas, novos protestos apaixonados dos bem-intencionados de sempre — aquela espécie humana peculiar que tanto mais esbraveja quanto mais desconhece o assunto.

Sim, sei que é exercício difícil para os exemplares dessa praga, mas a leitura do texto do projeto — geralmente é assim (vale experimentar) — explica seu objetivo: em suma, agilizar o registro de pesticidas mais modernos aqui. Bom, né? Não. A rapaziada manifestante indignada não leu, não estudou, mas é contra; porque, se trata de agrotóxico, só pode ser ruim, nocivo, opressor, golpe de latifundiários multinacionais, e pronto: arma-se a gritaria. A cena seria surrealista não tivesse pilares metodológicos clássicos a serviço da confusão e da ignorância tragicômicas: aqueles que lutam historicamente contra o uso, no Brasil, de defensivos agrícolas já superados em outras nações são os mesmos que ora lutam contra a lei que permitiria a rápida modernização dos defensivos agrícolas utilizados neste país.

Que tal?

Curioso e triste torrão é o Brasil, este cuja principal vocação econômica, a agropecuária, desenvolvida pari passu com a melhor tecnologia, distribuidora de riqueza e geradora de milhões de empregos, muitos dos quais com altíssima especialização, é criminalizada pelos mistificadores senhores do discurso da “oportunidade para todos”. Não é incoerência, porém. Há método — insisto.

Sob a mobilização de poderosos grupos de pressão ideológicos, a militância dos hábitos virtuosos encontra fluente caminho para se impor e transtornar quando consegue infiltrar sua cultura de desinformação, via de regra alarmista, nos costumes da população. Quase sempre consegue, com luxuosa contribuição de artistas, jornalistas e outros patriotas do apocalipse. Sobre a produção de alimentos, a deturpação é especialmente depravada. 

Amedrontado pela propaganda mentirosa do onguismo mais lucrativo, o brasileiro médio foi convencido de que a comida que lhe é oferecida é ruim, talvez mesmo envenenada. Não é isso? Quem nunca se deparou com a impostura segundo a qual aqui se consumiria, individualmente, cerca de cinco litros de pesticidas por ano?

Em que espécie de hortinha mental-moral elitista vive essa gente leviana que propaga a produção quimérica de alimentos orgânicos em larga escala como salvação de uma humanidade contaminada? Quando se deu a perversão de valores por meio da qual hábitos individuais de ricos, não raro exóticos (talvez fanáticos), práticas matematicamente insustentáveis para o conjunto da sociedade, tornaram-se ativismo autoritário — para muitos entre os religiosos da pureza razão da própria existência — vendido em nome da saúde alheia ainda que sem a mais mínima comprovação científica?

O que se sabe, seguramente, sobre o alimento orgânico: que não tem vantagem, nutricional ou de sabor, sobre o produto convencional, e que é muito, muitíssimo, mais caro, isso como consequência da produtividade fundamentalmente menor, de crescimento representativo impossível, daí por que, por definição, coisa de abastados — que semearia a fome caso dele dependesse a subsistência mundial. Ou seja: o pobre, para comer, para se nutrir, precisa de pesticidas, e isso — atenção — não lhe faz vítima, mas cidadão plenamente, como só raramente, beneficiando-se da inclusão, da inclusão prática, objetiva, permitida pela tecnologia.

Só no Brasil, aliás, defensores agrícolas, glórias da ciência, são chamados de agrotóxico, palavra essencialmente enviesada, criada e difundida para distorcer — para plantar na percepção das pessoas a ideia farsante de que pesticidas são instrumentos garantidores da expansão produtiva irresponsável decorrente da ganância da máfia dos grandes produtores rurais. Não é assim? A verdade, no entanto, é outra: a química aplicada no campo dominou pragas antes consideradas invencíveis, trouxe estabilidade, previsibilidade, às safras, que batem sucessivos recordes, e criou as condições para que o cultivo, por exemplo, de arroz e feijão precisasse hoje de três vezes menos terra que há 40 anos — e tudo isso para entregar comida barata, farta e de boa qualidade.

Curioso e triste país é o Brasil, este cuja gente que concebeu o Bolsa Família, e que zela pela renda do pobre, investe na narrativa que demoniza a agropecuária — atividade cuja excelência leva comida saudável e em conta à mesa do brasileiro real, aquele para quem programa de culinária na tevê é obra de ficção tão distante quanto o reino da Dinamarca, “nação mais orgânica do mundo”, onde a fatia desses produtos do mercado, contudo, não chega a 8%, e a alimentação das pessoas não é aparelho para terrorismo ambiental.

Carlos Andreazza é editor de livros




































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