por Rogério Furquim Werneck O Globo
A esperança de que o vigor da recuperação da economia pudesse ter efeito
favorável sobre a evolução do quadro eleitoral vem se mostrando
infundada. Na verdade, o que se observa no momento é justo o contrário: a
prolongada indefinição do quadro eleitoral vem tendo efeito adverso
sobre o vigor da recuperação. As expectativas de crescimento do PIB, em
2018, vêm sendo rapidamente revisadas para baixo. A expansão de 3%, que
parecia crível em janeiro, já passou a ser considerada irrealista.
Com o país já a quase cinco meses das eleições e ainda em meio a tanta
incerteza acerca do desfecho da disputa presidencial, a apreensão com a
insustentabilidade do quadro fiscal tornou-se muito mais incômoda. Já
não pode ser tão facilmente descartada com base na velha alegação
escapista de que ainda há tempo de sobra para se equacionar o problema e
que, de uma maneira ou de outra, a crise fiscal acabará superada. Não
chega a ser uma surpresa que, nessas circunstâncias, a retomada dos
investimentos, e até do consumo, continue em boa parte entravada.
É reconfortante que a saída de Henrique Meirelles da Fazenda, num
momento em que o presidente passou a enfrentar novo processo de
fragilização, não tenha dado ensejo a enfraquecimento da equipe
econômica. Muito pelo contrário. Por paradoxal que possa parecer, a
equipe se fortaleceu. A nova escalação da Fazenda é o melhor seguro com
que agora conta o país para continuar a crer que as contas públicas
permanecerão sob relativo controle até o final do ano.
Mas não há como ter ilusões. O jogo mudou. Tudo indica que o governo não
conseguirá entregar a maior parte das 15 medidas alardeadas em
fevereiro que, mesmo sem a reforma da Previdência, supostamente dariam
força ao círculo virtuoso que se vislumbrava no final do ano passado.
Assediado de novo pelo Ministério Público e fadado a perder boa parte do
escasso capital político que ainda lhe resta, o presidente parece já
não nutrir fantasias sobre o que o final do mandato lhe reserva. A
agenda do Executivo com o Congresso passou a ter caráter essencialmente
defensivo: proteger a retaguarda do presidente, no seu embate com o
Ministério Público, e evitar a aprovação de medidas que tornem o quadro
fiscal ainda mais difícil do que já é.
É natural que, com a proximidade das eleições, parte importante da
batalha pela preservação do controle fiscal venha sendo travada dentro
do próprio Executivo. Na esteira da decepção com o vigor da recuperação
da economia e, especialmente, com o ritmo de queda do desemprego, a
equipe econômica vem tendo de se desdobrar para conter a prodigalidade
fiscal, dentro do governo. Nem sempre com sucesso, como bem ilustra a
emblemática decisão do Planalto de conceder ao Bolsa Família reajuste
acima da inflação, em meio ao pavoroso atoleiro fiscal em que o país
está metido.
Tirando bom proveito da fragilidade do Planalto, a base governista
parece cada vez mais voraz no seu empenho em extrair benesses do
governo. Na derrubada de vetos presidenciais a excessos do Congresso
nessa extração de benesses, tem havido conluio escancarado entre os
interesses contrariados na base governista e seus representantes no
ministério de Temer.
Tanto no Congresso como no âmbito do próprio Executivo, há uma profusão
de propostas de armações fiscais prontas para serem impostas a um
governo que se mostra cada vez mais frágil. Liberalidades com o FGTS,
linhas de crédito indefensáveis da Caixa Econômica, ampliação dos
recursos para financiamento público de campanhas eleitorais, operações
de salvatagem de governadores falidos, linhas de financiamento para
governos municipais e novos perdões absurdos de dívidas fiscais.
Não há como subestimar as dificuldades que terão de ser enfrentadas pela
equipe econômica nos próximos meses, para que consiga evitar sério
agravamento do quadro fiscal. Chegar a outubro com contas públicas sob
relativo controle exigirá longa travessia em campo minado.
Depois de outubro, será o que as urnas quiserem.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
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