por Cláudio Henrique da Cruz Viana O Globo
O foro por prerrogativa de função, como adotado no Brasil, é incompatível com a concepção de estado democrático e republicano de direito. O instituto tornou-se disfuncional quando passou a chancelar um privilégio odioso: a existência de cidadãos de primeira e de terceira classe perante a lei e a Justiça. A prerrogativa de foro não deveria ser considerada um salvo-conduto para criminosos em busca de proteção em cargos ou mandatos eletivos, mas sua amplitude deturpou o instituto. No Rio de Janeiro, por exemplo, os vereadores têm a prerrogativa de serem julgados pelo Tribunal de Justiça, independentemente da natureza do crime praticado. Realmente um despropósito que foi levado ao STF em 1991 e até hoje não foi decidido.
Recentemente a Suprema Corte decidiu por limitar a prerrogativa de foro. Tentou avançar em prol da equidade contra privilégios, abrindo uma dinâmica positiva de superação da impunidade e de afirmação do conceito de República. Contudo, ao restringir o foro por prerrogativa de função sem alinhavar de forma inequívoca o balizamento do que fica e do que sai da competência dos Tribunais, restou uma decisão que desconstruiu, sem colocar nada no lugar, trazendo mais dúvida do que solução. Interpretações abertas e imprecisas, sujeitas elas próprias a reinterpretações, não geram pacificação de conflitos, ao contrário, produzem insegurança jurídica.
Nunca é demais lembrar que o Poder Judiciário existe para compor os conflitos de interesses e definir situações jurídicas controversas, não para criar mais desentendimentos, menos ainda contendas entre suas próprias instâncias. Na hipótese da prisão a partir do segundo grau, conseguiu uma definição. Mas, em relação à restrição do foro, depois da decisão do Supremo, muitas dúvidas continuam e outras surgiram. O que são crimes praticados em razão do cargo a justificar o foro especial? Todas as autoridades que hoje têm a prerrogativa (ou escancarado privilégio) devem ser contempladas? Cada Tribunal interpretará a questão de um jeito? Quantos recursos ainda virão?
Registre-se que há situações em que, para preservar a isenção do julgamento de autoridades públicas, com poder de influência, é preciso apreciação do fato por instância superior e colegiada. Um juiz de direito, que para progressão na carreira depende de decisões administrativas de desembargadores, poderá julgá-los com a isenção que se espera? Não estará sujeito a pressões do próprio Tribunal ao qual está vinculado?
Por fim, estamos às vésperas de eleições gerais. Enquanto candidatos se lançam à eleição, processos vão passear de um lado para o outro, sem que se saiba ao certo qual o órgão do Judiciário competente para julgá-los. Decisões imprecisas e intempestivas não contribuem para o fortalecimento do estado de direito, ainda que deem a impressão oposta.
Cláudio Henrique da Cruz Viana é procurador de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro
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