por Carlos Alberto Sardenberg O Globo
O presidente argentino, Mauricio Macri, deu azar. A política econômica que tentou — do ajuste gradual ou do liberal com coração — só daria certo em um ambiente externo muito favorável aos países emergentes, como ocorreu até pouco tempo. Ou seja, a aposta de Macri não era maluca. Fazia sentido. Mas não contava com o aquecimento da economia americana e com tensões internacionais.
O mundo estava assim: dólar barato e abundante, disponível para investimentos e empréstimos; juros internacionais muito baixos; forte crescimento global, elevando demanda e preços de commodities.
Com isso, Macri conseguiu regularizar a situação externa do país — encerrando uma moratória de décadas e captando empréstimos novos de nada menos que US$ 100 bilhões. Havia confiança no governo e na sua política de desmontar os estragos da era Kirchner, promovendo o equilíbrio das contas internas e externas de maneira gradual.
Foi um erro, muitos dizem hoje. Mas, na hora, quando se elegeu em 2015, era diferente. Os preços estavam congelados; as tarifas eram baratas à custa de subsídios pagos pelo governo; este se financiava com dívida cada vez mais cara ou, especialmente, imprimindo dinheiro e fazendo uma baita inflação. E, para completar, os Kirchner haviam feito uma intervenção no IBGE deles e entregavam números falsos. A inflação real passava dos 50%.
No oficial, aparecia como menos de 15%.
Esse populismo funciona por algum tempo, ganha eleições e depois desaba, deixando uma conta pesada para o sucessor. Aconteceu no Brasil também, mas com limites: a inflação de Dilma estourou, mas com 11%, e sem roubo nos dados.
Em resumo, a Argentina precisava de um choque de realismo e de verdade.
Mas se Macri descongelasse todos os preços, cortasse todos os subsídios e reduzisse fortemente o gasto público — isso produziria um pico de inflação, a tal inflação corretiva, que não poderia mais ser mascarada. Um golpe brutal: todos os preços subindo ao mesmo tempo, com o governo gastando menos, inclusive em programas sociais. Donde: recessão.
Muitas vezes, esse caminho é inevitável, quando a crise avança a tal ponto que o ajuste se faz na marra. Não é que o governo decide gastar menos. Simplesmente acaba o dinheiro.
Como contava com os dólares baratos, Macri tentou o gradualismo. A inflação, por exemplo, cairia para 40% em 2016, para 17% no ano seguinte e assim por diante, até chegar a civilizados 5% em 2019.
Assim, nem todos os preços foram descongelados, muitos foram liberados aos poucos, os subsídios públicos foram reduzidos, mas não eliminados. Resultado: a inflação caiu, mas não no ritmo desejado ou necessário. Estava, por exemplo, em 25% antes da crise atual.
Ainda assim, Macri estava dobrando a aposta. Iniciou um programa para estimular o crescimento, confiando que as peças se encaixariam em 2019, a tempo das eleições.
Começou a dar errado a partir dos Estados Unidos. A economia americana já estava em aceleração, crescendo mais que os outros desenvolvidos, e pegou embalo com duas políticas de Trump, a redução de impostos (que deixou para empresas e pessoas mais dinheiro para investimento e consumo) e o aumento do gasto público. Logo, todo mundo concluiu, a inflação vai reaparecer e o Fed, o banco central deles, vai subir os juros. No mercado, os juros já estavam em alta. O título de dez anos do Tesouro americano, durante muito tempo com rendimento perto de zero, já está pagando 3% ao ano. O papel alemão equivalente dá 0,5%.
Sim, nos emergentes os títulos públicos rendem mais, mas ganhar 3% em dólares, sendo credor do Tesouro americano, é mais atraente do que 6% em reais. Ou 40% em pesos argentinos, na situação de hoje.
E se capitais vão para os EUA, o dólar se valoriza contra todas as demais moedas, especialmente dos países com mais fragilidades. Forte desvalorização da moeda é inflação e aumento da dívida pública, pois o governo argentino, no caso, precisa de mais pesos para comprar os dólares com os quais cumpre os compromissos externos.
Com desajuste de contas públicas e inflação ainda elevada, a coisa desandou. O recurso ao FMI é correto e, para falar a verdade, o único caminho. O Fundo empresta dólares a juros baixos. Mas o governo vai precisar aprofundar o ajuste fiscal e macro. Nada fácil politicamente.
Mas não tem outro jeito. E tem boa chance de sucesso.
O Brasil está longe disso. Praticamente não tem déficit externo, as reservas em dólares são maiores que a dívida, a inflação está no chão e o déficit público, ainda alto e ruim, pelo menos está contido. Nossa equipe econômica foi melhor? Sim, mas o estrago de Dilma foi bem menor que o de Cristina.
De todo modo, que fique de alerta: a gente vai adiando as reformas, especialmente da Previdência, e olha o que pode acontecer.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
extraídaderota2014blogspot
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