Eduardo F. Filho, Veja
Era um dia de festa, e estávamos todas felizes. Fui com a minha filha
mais velha, de 7 anos, à comemoração do Dia das Mães na escola dela, em
Suzano, na região metropolitana de São Paulo. À espera, na porta da
escola, devia haver umas sete mães, cada uma com pelo menos um filho, e a
toda hora chegava mais gente. Um pouco mais longe na rua, uma mãe
estacionava quando um assaltante pediu a chave do carro. De onde eu
estava, não dava para ver nada disso. A mãe que saíra do veículo não viu
que o rapaz estava armado e correu até nós, como aparece no vídeo da
segurança da escola que tanto circulou pela internet. “É ladrão, é
ladrão”, ela disse. “Onde?”, perguntei. Eu estava sem visão por causa
dos carros.
As outras mães olhavam para a rua, com cara de medo. Foi quando vi o
rapaz, já tirando a arma de debaixo do braço. Ele foi em direção ao
responsável pela segurança da escola, o único homem ali presente. Usei
esse tempo para pegar a arma na minha bolsa. Contando isso agora, pode
parecer que foi uma eternidade, que tive tempo para pensar em como
reagir — mas não: no vídeo, foram dois segundos. O que me passou pela
cabeça na hora era que eu tinha de impedir a ocorrência.
O stress da pessoa que está assaltando é muito grande, a gente nunca
sabe o que ela vai fazer. Havia dezenas de crianças ali. Pensei: será
que ele vai atirar nelas — atirar na minha filha, que estava ao meu
lado? E se ele revistar todo mundo e achar a minha arma na bolsa? Iria
me matar — policiais à paisana são sempre mortos por bandidos que
descobrem a profissão deles. Então, peguei a arma na minha bolsa. Tive o
cuidado de efetuar os disparos o mais perto possível dele, para não
acertar alguém que cruzasse a linha de fogo.
Primeiro, dei voz de prisão. Gritei “polícia!”. Ele se virou para mim e
atirou duas vezes. O primeiro tiro não pegou ninguém, graças a Deus.
Logo que ele fez esse primeiro disparo, eu efetuei dois. Conforme ele
foi caindo, deu um segundo tiro, que não saiu — a munição falhou. Aí,
atirei uma terceira vez, na perna dele. Ainda tentei me abrigar atrás de
um carro, mas não deu certo, pois o carro saiu em seguida. Depois que
ele estava imobilizado no chão, eu me virei para pedir ajuda, mas todo
mundo tinha ido embora. O medo faz isso. Peguei o celular e liguei para o
190. Pedi uma ambulância. Não consegui ouvir o que o ferido dizia. Só
ouvia a minha filha, chorando na calçada. Acredito que Deus também
estava ali, junto comigo, me protegendo. Hoje, a minha filha
aparentemente está tranquila, mas buscamos o acompanhamento de um
psicólogo. Conversei com ela, expliquei que a mamãe precisou tomar
aquela atitude para que o rapaz não machucasse as outras mamães, não
machucasse os amiguinhos dela.
A homenagem do governador Márcio França foi de repente, uma surpresa.
Aceitei de bom grado as flores que ele me deu em tributo a todas as
mães. Estão focando demais o governador, mas esquecem que as homenagens
têm vindo do Brasil inteiro. Ninguém está comemorando a morte do
assaltante — essa nunca foi a intenção. Não me sinto heroína, mas vi que
estou sendo chamada assim. Naquele momento, tive uma atitude
profissional, mas foi tudo misturado ao lado materno, à proteção da
minha filha. Outras pessoas não devem reagir a assaltos, mas com o
policial é diferente; ele tem o dever, mesmo em dia de folga, de
combater o crime, de proteger vidas.
A vida do policial é assim. Não passei todo o Dia das Mães com minhas
duas filhas — a mais nova tem 2 anos —, porque trabalhei muito. Mas
consegui um tempinho com elas e com minha mãe. Vivemos nosso momento da
melhor maneira possível. Foi maravilhoso porque eu estava ali com elas,
no Dia das Mães. Todas juntas. E vivas.
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