Jornalista Andrade Junior

sábado, 10 de fevereiro de 2018

Troca de favor e proteção pautam relação do STF e outros Poderes -

MATIAS SPEKTOR FOLHA DE SP

Na mesma semana em que o ministro Gilmar Mendes escapou de um linchamento, Lula viu-se nos maus lençóis reservados a quem não tem foro privilegiado. Distintos, os episódios apontam na mesma direção: nossa corte suprema é um desastre.

O livro sobre o tema ainda está para ser escrito, mas Conrado Hübner deu pistas excelentes na "Ilustríssima" (28/1) sobre como a corte "ataca o projeto de democracia", indo um passo além das duas reportagensmagistrais de Luiz Maklouf sobre o assunto na revista "Piauí".

Depois de 30 anos de Nova República, começa a cair por terra a fábula segundo a qual a Constituinte teria dado poder e autonomia às instituições de controle, estabelecendo um verdadeiro sistema de pesos e contrapesos. A evidência revela uma dinâmica bem menos rósea.

Chegou a hora de construirmos uma apreciação mais sofisticada e fiel aos fatos para explicar como chegamos até aqui. É apenas em posse desse diagnóstico que a sociedade brasileira poderá avançar na direção da reforma que, mais dia, menos dia, precisa acontecer.

O que aprendemos nos últimos tempos que antes não sabíamos?

Os constituintes de 1988 desenharam uma corte suprema que eles, políticos, pudessem influenciar. Por meio de mecanismos que hoje estão escancarados à vista de todos, sucessivos ministros da corte operaram e continuam operando como agentes da política partidária e representantes de grupos de interesse.

A relação entre o STF e os outros Poderes é pautada pela troca de favores e por proteção mútua. Quando as coisas vão bem, políticos eleitos geram oportunidades para que os ministros da corte consolidem suas respectivas redes de patronagem na estrutura burocrática da Justiça. Quando as coisas vão mal, a sangria é estancada com a anuência, o apoio ou a ativa intervenção do STF.

Nesse sistema, uma mão sempre lava a outra. Como a corte opera como uma central de distribuição de privilégios para grupos de interesse, os ministros atuam como líderes sindicais daquelas corporações das quais a classe política precisa para sobreviver. O espaço para controles efetivos é diminuto.

Além disso, as regras livram os ministros de qualquer tipo de "accountability", o processo pelo qual agentes públicos são responsabilizados por seus atos. Isso abre espaço para decisões monocráticas, para o uso de aeronaves da FAB fora das regras e para julgar em benefício de amigos ou de familiares. Abre espaço, ainda, para ministros que atuam como liderança do governo no plenário. O resultado são julgamentos politicamente orientados, que esgarçam a legitimidade da Justiça.

Esse jogo é um problema para a nossa democracia.

Matias Spektor

É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV.






































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