Paula Ferreira, O Globo
— Os professores que estão preparados têm oportunidade de intercâmbio.
Eles conseguem se inscrever nos editais porque atendem aos requisitos. O
problema é o restante, que não consegue sequer entrar na formação
continuada. Somente cerca de 15% dos professores que atuam na rede
pública nessa disciplina têm proficiência — afirma Silvia Donnini,
diretora de Formação e Desenvolvimento dos Profissionais da Educação
Básica do Ministério da Educação (MEC).
A formação insuficiente dos docentes da área fica explícita nos dados do
Censo da Educação Básica 2017, divulgado em janeiro pelo MEC. Apenas
42% daqueles que lecionam inglês no primeiro segmento do ensino
fundamental têm formação adequada para a área. A disciplina é a pior no
quesito de adequação docente, que considera professores com licenciatura
ou bacharelado com complementação pedagógica na mesma área de atuação.
Ou seja, há docentes formados, por exemplo, para dar aulas de português,
mas que atuam como professores de inglês. No segundo segmento do
fundamental, do 6º ao 9º ano, o índice é um pouco mais alto, mas ainda
representa menos da metade dos docentes: 49,2%. Nessa etapa, a
disciplina é a segunda pior no que diz respeito à adequação, perdendo
somente para artes.
Ter uma formação considerada “adequada” na teoria, no entanto, não
significa nenhuma garantia na prática. A professora Amanda, que prefere
usar esse nome fictício, cursou Letras com ênfase em língua inglesa em
uma universidade particular e, mesmo antes de chegar às salas de aula,
não se sentia preparada para ensinar o idioma a alunos mais velhos.
— Durante o curso na universidade, minha turma foi diminuindo
consideravelmente. Acompanhar as aulas em inglês era complicado. Os
colegas que não tinham muitos conhecimentos do idioma entraram em
contato com a coordenação, que obrigou os nossos professores a darem
aulas em português. Quem não busca uma formação paralela não tem
condição alguma de trabalhar como professor depois — desabafa.
Por se sentir insegura, ainda na universidade, Amanda procurou um curso
de idiomas para complementar a formação. Mesmo assim, encontrou
dificuldades quando tentou ensinar inglês para estudantes que já tinham
contato com a língua.
— Se você trabalha com crianças até o 5º ano, é mais fácil porque, mesmo
que elas façam um curso de inglês, dificilmente estarão no nível
intermediário. Já no ensino médio, o aluno sabe que a gramática do
professor está errada. Quando eu peguei uma turma nessa fase, passei a
me sentir muito insegura, então larguei no final do ano letivo. Preferi
trabalhar só com educação infantil.
Para Silvia Donnini, do MEC, melhorar esse quadro passa por uma reformulação do currículo das universidades:
— No Brasil, a formação, em geral, é bastante teórica e menos focada em
questões de conversação e proficiência. Isso não corresponde à demanda
da prática em sala de aula, que é uma abordagem comunicativa. Precisamos
fazer uma revisão do currículo dos cursos de licenciatura e corrigir
este problema, que tem sido muito comum. O professor de língua inglesa
não é um falante de língua inglesa. Isso faz com que o estudante não
tenha uma referência de conversação.
Essa revisão está na mira do Conselho Nacional de Educação (CNE),
instância responsável por fazer as modificações desses parâmetros. Antes
disso, é necessário que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do
ensino médio, prevista para ser entregue ao órgão em março, seja
finalizada. A formação das universidades, em geral, prioriza uma
abordagem que se distancia, sobretudo, dos novos objetivos traçados pela
Base do ensino fundamental, já homologada pelo MEC. O documento,
inclusive, aponta o idioma como a língua estrangeira a ser ensinada nas
escolas a partir do 6º ano. Antes não havia essa especificação.
— A BNCC assinala uma ênfase maior na conversação e nas questões
tecnológicas, e defende que o aluno tenha contato com a língua real, o
inglês falado no mundo, não só nos países onde é língua materna— explica
Ivan Cláudio Siqueira, membro do CNE, que participou da confecção da
Base relativa ao inglês.
Baixa carga horária
O educador admite, entretanto, que há muitos obstáculos a serem
transpostos para garantir que, ao final do ensino fundamental, os alunos
tenham uma formação satisfatória no idioma. Um deles é o pouco tempo de
aula de língua estrangeira que os alunos têm por semana.
— Ao final do fundamental, o estudante deveria de fato estar no nível
básico, o que seria equivalente ao A2 na escala de proficiência, e ter
condições de se apresentar, entender coisas relativas à idade. Mas isso
está muito relacionado ao contato que ele tem com a língua. Se depender
apenas dos cem minutos semanais de aula, o aluno aprende e esquece —
analisa Ivan.
Jodie Gray, diretora de desenvolvimento da English UK, uma associação
britânica de centros de ensino de inglês, afirma que tornar o idioma a
língua estrangeira a ser ensinada nas escolas é uma decisão importante,
mas que precisa vir acompanhada de outras estratégias.
— Ainda que não esperemos que todo mundo no Brasil se torne fluente e
viaje ao redor do mundo, aumentar o nível de inglês quando as pessoas
terminam a educação básica é um ponto de partida. Uma das soluções é
fazer uma abordagem mista, em que os docentes melhorem o inglês com uma
metodologia de aprendizagem on-line e também presencial.
Para ela, o treinamento inicial de pequenos grupos poderia ajudar nessa tarefa:
— É preciso melhorar as habilidades de linguagem dos docentes e depois
pensar sobre metodologia de ensino. Quando há treinamento para um
pequeno número de professores, eles se tornam referência e podem ensinar
outros. Há um efeito cascata. É sustentável para o futuro e tem custo
baixo.
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