Jornalista Andrade Junior

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

LOUCOS VIRTUOSOS

por Marcos Eduardo Rauber, Promotor de Justiça.

Não é novidade a prática de rotular pejorativamente pessoas cujas opiniões e condutas destoam da cultura hegemônica em determinada época, independentemente da razoabilidade lógica ou legitimidade moral de suas motivações e argumentos. A etiqueta preferida é a que lhes imputa a condição de “loucas”.
Na história da humanidade sobejam exemplos de vítimas desse infame artifício. Gênios como Leonardo da Vinci (1452-1519), Isaac Newton (1643 a 1727), Alexander Graham Bell (1847 a 1922), Thomas Edison (1847 a 1931), Nikola Tesla (1856 a 1943), Albert Einstein (1879 a 1955) e tantos outros vultos da ciência e das artes foram classificados como “loucos” por seus contemporâneos, em razão de suas ideias e de seus comportamentos considerados excêntricos frente aos padrões tidos por “normais”. Muitos deles, enquanto não alcançaram reconhecimento por suas descobertas ou feitos extraordinários, foram perseguidos, ridicularizados, ofendidos e discriminados pela intelligentsia.
Mas ainda antes, entre 60 e 62 d.C., a narrativa constante do livro dos Atos dos Apóstolos, cuja autoria é atribuída ao evangelista Lucas (médico e historiador), dá conta de que o mesmo rótulo foi lançado sobre Paulo de Tarso (o Apóstolo dos gentios) quando exercia sua autodefesa de falsas acusações perante o Rei Herodes Agripa II e Pórcio Festo, Governador da Cesaréia, capital da província romana da Palestina (Capítulo 26, versos 1 a 23). Enquanto Paulo discursava, inclusive narrando as circunstâncias de sua repentina e surpreendente conversão de perseguidor implacável da Igreja Cristã à condição de pregador do cristianismo, Festo o interrompeu em alta voz, bradando: “Estás louco, Paulo; as muitas letras te fazem delirar!” (verso 24). Paulo, por sua vez, replicou destemidamente, com autoridade de quem diz a verdade: “Não deliro, ó excelentíssimo Festo, antes digo palavras de verdade e de perfeito juízo.” (verso 25).
Ora, Paulo não era um plebeu iletrado. Tampouco padecia de doença mental. Ao contrário, era homem culto e erudito, poliglota (falava e escrevia em hebraico, aramaico, latim e grego), instruído segundo toda a lei judaica, em Jerusalém, pelo famoso Rabino Gamaliel (um dos maiores e mais ilustres doutores da Lei na época), além de ser conhecedor da cultura e filosofia greco-romana (vide Atos 5:34, 13: 17-41, 17:18, 22:2 e 3, 23:6; Filipenses 3:5; I Coríntios 14:18). Paulo fora alguém respeitado por seus concidadãos, tanto que merecera confiança e delegação de autoridade dos líderes judaicos para perseguir, prender e até matar cristãos, como o mártir Estevão (Atos 7:54 a 8:3). Mesmo assim e apesar de seu bem articulado e veemente discurso, que por pouco não convenceu o Rei (“E disse Agripa a Paulo: Por pouco me queres persuadir a que me faça cristão!”
Atos 26:28), foi arbitrariamente interrompido e tachado de “louco” porque sua fala e conduta destoavam do padrão ditado pela hegemonia cultural vigente. Um raso e conhecido artifício da erística , para desacreditá-lo e desmoralizá-lo publicamente diante da autoridade e demais presentes, que o ouviam atenciosamente.
Guardadas as devidas proporções e circunstâncias, fato é que atualmente, neste mundo pós-moderno, em que importantes valores civilizatórios estão sendo questionados e postos “de ponta cabeça”, a infame etiquetagem continua “de vento em popa”. E com objetivo claro: humilhar, constranger, calar, isolar e lançar no ostracismo todos aqueles que ainda os defendem e cultivam, mantendo-os sob efeito da “espiral do silêncio”.
Nos dias que correm, para tornar-se potencialmente merecedor do rótulo de “louco” basta que o sujeito, por exemplo:
1) esteja casado com pessoa do sexo oposto há mais de 05 anos, valorize o casamento heterossexual monogâmico e se desvie deliberadamente das oportunidades de adultério;
2) priorize a vida familiar e a participação na educação dos filhos, abdicando de momentos de lazer com amigos e/ou da ascensão e fama profissional, se inconciliáveis estes com aqueles;
3) considere seu trabalho mais do que fonte de renda ou status, mas algo que lhe dá sentido à vida, uma vocação e uma oportunidade de servir ao próximo e promover o bem comum (alto risco de classificação como “megalomaníaco”);
4) creia em valores morais absolutos e imutáveis, busque viver de forma coerente com sua fé, participe de alguma igreja, contribuindo financeiramente e/ou prestando serviços voluntários nos finais de semana e horários de folga (alto risco de classificação como “fanático”, “fundamentalista religioso”, “radical”, “puritano” etc);
5) aprecie músicas eruditas ou populares de boa qualidade técnica, com letras que não exaltem a licenciosidade sexual, a objetificação do ser humano, a malandragem ou o banditismo (além da etiqueta de loucura, atrai classificação de “pedante”, “elitista”, “chato”, “moralista” etc.);
6) tenha aversão a pichações em locais públicos, exposições de “arte moderna” ou “queer”, considerando-as expressões de mau-gosto e/ou manifestações ofensivas (afora o label da insanidade, podem recair acusações de censura e preconceito, bem como adjetivações de “retrógrado”, “antiquado”, “reaça” etc);
7) acredite que a escola deve ensinar língua portuguesa (conforme a norma culta), matemática, biologia, física, química, geografia, história e outras matérias do currículo, com isenção político-ideológica, ao passo que à família compete educar crianças e adolescentes (inculcar-lhes valores éticos, morais, religiosos e a orientação sexual);
8) acredite no mérito e no esforço individual como meios para alcançar êxito na vida pessoal e profissional, enunciando ressalvas ao sistema de cotas raciais;
9) expresse sua indignação e intolerância à criminalidade, manifestando-se pelo direito à posse/porte de armas de fogo pelos cidadãos para exercício do direito de legítima defesa, pela maior severidade na aplicação das penas privativas de liberdade e rigor na execução penal, pela redução da maioridade penal, pela admissibilidade da prisão perpétua ou da pena de morte, preconizando defesa dos direitos humanos das vítimas;
10) enuncie opiniões contrárias ao aborto, à legalização das drogas, à pregação da ideologia de gênero nas escolas, à erotização infanto-juvenil, ao casamento homoafetivo e à participação de indivíduos transgênero em competições esportivas com indivíduos do sexo oposto , inclusive em lutas de MMA, em que indivíduos biológica e fisiologicamente do sexo masculino/homens - em evidente superioridade física - agridem violentamente e subjugam indivíduos do sexo feminino/mulheres! (estes posicionamentos ensejam, é claro, xingamentos clássicos como “machista”, “fascista” e “homofóbico”).
Veja-se que muitos desses comportamentos ou opiniões não causariam maior estranheza há alguns anos ou décadas. Contudo, a cultura da sociedade ocidental sofreu gradual subversão, sendo atacada por uma espécie de surto anticivilizacional. O que outrora revelava virtude e era incentivado como sendo bom e salutar, passou a ser apontado como sintoma de loucura, motivo de escândalo, xingamentos, quando não de imputações criminais! 
Por outro lado, a promoção ostensiva de pautas ditas progressistas, como a liberação do aborto (“meu corpo, minhas regras”), a legalização das drogas, a volubilidade e descompromisso nas relações amorosas e sexuais, a ridicularização dos conceitos tradicionais de casamento e família e sua substituição por qualquer tipo de união afetiva, a doutrinação escolar acerca das questões de gênero (mesmo que em contrariedade à orientação sexual, moral e religiosa da família), a estimulação sexual prematura de crianças e adolescentes, a igualdade absoluta entre indivíduos transgêneros e aqueles com sexo biológico e “gênero” harmônicos, o desarmamento da população civil, a pregação da falência da pena de prisão e o desencarceramento em massa como medida necessária à tutela dos direitos humanos de criminosos, a glamourização destes como agentes revolucionários em luta contra injustiças sociais e a demonização das polícias (cujos agentes são presumidos arbitrários, torturadores e assassinos de inocentes), são tidas como provas cabais da mais absoluta sanidade mental, neutralidade, prudência e bom senso do indivíduo. E mais: sem qualquer risco de que a excessiva abertura da mente pudesse vir a ejetar seu cérebro, como advertia G. K. CHESTERTON.
Mas como se chegou a essa situação? FLÁVIO GORDON, Doutor em Antropologia Social pela UFRJ, observa que para determinar a média da opinião pública (na verdade, opinião publicada), fabricando um aparente consenso social, “Basta que a classe falante cole naqueles que destoam de seus valores rótulos tais como ‘fanáticos’, ‘extremistas’, ‘ultrarreligiosos’, ‘reacionários’ ou ‘polêmicos’, fazendo com que pareçam portar uma visão parcial e radical do mundo, alheia à racionalidade padrão da opinião pública. Assim, a excêntrica visão de mundo de uma casta social minoritária acaba fazendo as vezes da normalidade sadia, ao passo que valores da maioria são ridicularizados e desprezados como aberrações patológicas, furto de mentalidades pouco esclarecidas.”
Foi exatamente o que ocorreu no Brasil. A elite cultural brasileira, secularizada e contrária aos valores morais e sociais tradicionais, apregoados pelas religiões de matriz judaico-cristã, conseguiu dominar grandes setores da mídia, das artes e da academia, influenciando também as esferas político-administrativas do Estado. Assim, logrou inocular aos poucos na sociedade sua particular visão de mundo, impondo à população brasileira – ainda majoritariamente conservadora - um moralismo próprio, o politicamente correto. Os que ousam desviar-se dessa cartilha – mesmo em um Estado Democrático de Direito que tem no pluralismo político um de seus fundamentos (art. 1º da CF/88) e que reconhece como direitos fundamentais a liberdade da expressão do pensamento e de crença religiosa e convicção filosófica ou política (art. 5º, incisos IV, VI e VIII, da CF/88) – são rapidamente alcunhados “loucos”, “reacionários”, “radicais” e “extremistas”, passando a ser vistos com desconfiança, tornando-se motivo de escárnio e maledicência, pouco importando sua honradez pessoal, sua competência e qualificação intelectual ou profissional e a razoabilidade de seus argumentos. O resultado é que a maioria se cala, temendo a exposição ao ridículo ou mesmo sofrer represálias.
O mais incrível é que esses etiquetadores de plantão são os mesmos que enchem a boca para pregar tolerância, liberdade e democracia. Apenas discurso, todavia, pois o pensamento que lhes perpassa as mentes é similar àquele confessado pelo jornalista americano Nicholas Kristof, do New York Times: “Aceitamos muito bem as pessoas que não se parecem conosco, com a condição de que pensem como nós.”
Contudo, perseguições, ironias e zombarias à parte, os resultados desse pseudoprogressismo político-ideológico e cultural no Brasil são gritantes e falam por si: 61.619 assassinatos por ano (em 2016) ; 01 roubo ou furto de veículo por minuto (em 2017) ; 437 policiais civis e militares mortos (em 2016), um aumento de 17% em relação ao ano anterior (2015) ; 79º lugar no ranking de desenvolvimento humano da ONU ; 88º lugar do ranking de educação da UNESCO ; 7ª maior taxa de gravidez na adolescência na América do Sul (65 gestações para cada 1.000 meninas de 15 a 19 anos) ; 05 casos de exploração sexual de crianças ou adolescente por dia (entre 2003 e 2008) , alcançando o vergonhoso 1º lugar no ranking da exploração sexual infanto-juvenil na América Latina (em 2012) ; 23.973 crianças e adolescentes vivendo nas ruas de 75 cidades com mais de 300.000 habitantes e outras 47.000 crianças e adolescentes em abrigos ; índices de transmissão e contágio de doenças sexualmente transmissíveis em crescimento . E, como sabido, nada há que não possa piorar, em seguindo a carruagem nos mesmos trilhos em direção ao despenhadeiro.
Frente a essa realidade alarmante a conclusão não poderia ser outra: o País precisa de menos gente passiva seguindo a manada, sob a toada do politicamente correto, e de mais “loucos virtuosos”. A agonizante nação brasileira reclama homens e mulheres de coragem, que, a despeito de risinhos irônicos, chacotas, indiferença ou ira dos que se intitulam “normais” e “ponderados”, aceitem o desafio de viver e trabalhar arduamente para conservar e restaurar as tradições e valores que sempre e em qualquer lugar garantiram a harmonia, a estabilidade e a prosperidade da civilização humana, preservando-a dos efeitos nefastos da barbárie. Eis uma loucura sábia, pois como adverte THEODORE DALRYMPLE, “o sábio questiona apenas aquelas coisas que merecem questionamento.”
* Marcos Eduardo Rauber, Promotor de Justiça no RS
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O mesmo Paulo, em sua segunda Epístola aos Coríntios, deixou expressa sua plena devoção à verdade, ao sentenciar: “Porque nada podemos contra a verdade, senão pela verdade.” (2 Coríntios 13:8).
2 Como leciona OLAVO DE CARVALHO, em prefácio à obra Como vencer um debate sem precisar ter razão: em 38 estratagemas (Dialética Erística), de ARTHUR SCHOPENHAUER (Rio de Janeiro, Topbooks, 1997, pp. 40-41), “A erística, em suma, é uma arte da discussão contenciosa, que, utilizando os instrumentos da dialética, da sofística, da erística e da retórica aristotélicas, abrange também os aspectos psicológicos do duelo argumentativo, ao mesmo tempo em que deixa de lado as regras de ordem ética que faziam da dialética aristotélica um instrumento confiável de investigação.” No caso, o artifício utilizado é definido por SCHOPENHAUER como “rótulo odioso”, porquanto “Um modo rápido de eliminar ou, ao menos, de tornar suspeita uma afirmação do adversário é reduzi-la a uma categoria geralmente detestada, ainda que a relação seja pouco rigorosa e tão só de vaga semelhança.” (Op. cit. p. 174). Assim, afirmar arbitrariamente que as ideias do debatedor são “loucura” se enquadra no conceito dessa detestável técnica erística.
3 NOELLE-NEUMANN, Elisabeth. The Spiral ou Silence: Public Opinion, our Social Skin. Chicago & New York: University of Chicago Press, 1993.
6 "O objetivo de abrir a mente, assim como o de abrir a boca, é fechá-la novamente com algo sólido dentro. (...) Não seja tão mente aberta que o cérebro caia para fora". (https://www.facebook.com/chestertonnobrasil/posts/716468081753047?comment_id=1290533637679819&comment_tracking=%7B%22tn%22%3A%22R2%22%7D, acessado em 13.02.2018); citado também por GORDON, Flávio, A Corrupção da Inteligência: Intelectuais e Poder no Brasil. 1. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2017, p. 325.
7 GORDON, Flávio. A Corrupção da Inteligência: Intelectuais e Poder no Brasil. 1. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2017, pp. 66-67.



































extraídadepuggina.org

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