por Fernando Gabeira O Globo
Escrevo a caminho de Pacaraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela.
Saí diretamente do Rio para cá. Suponho que a sociedade também tenha
essa tendência ao equilíbrio, uma espécie de sistema nervoso autônomo.
Se é assim, creio que já deu sinais de que algo vai mal tanto no
organismo nacional como no sul-americano.
O Rio foi tomado por inúmeros casos de violência e assalto. Apesar de
tantos avisos, o governador Pezão confessou que o estado não se preparou
para o carnaval. Como se uma festa tão antiga e previsível fosse um
raio em céu azul. O prefeito do Rio, Marcelo Crivella, disse que iria
aproveitar a folga do carnaval e viajar para a Europa, em busca de
experiências “inovativas”.
Folga, como assim? Trabalhei no carnaval por escolha, se quisesse
poderia estar fantasiado em qualquer esquina. Mas um prefeito não tem
folga no carnaval. É precisamente o período em que tem de cuidar de
tudo, para evitar o pior. Pezão ainda não conseguiu ler o plano de
segurança. Crivella se elegeu dizendo que iria cuidar das pessoas. Será
que foliões, fantasiados, seminus e alegres, não são pessoas?
Essas coisas nos colocam próximos de uma desordem generalizada. As
principais autoridades parecem não entender o que está se passando. A
tarefa do equilíbrio, a homeostase, torna-se cada vez mais complicada.
Aqui na fronteira, as coisas não são diferentes. Estive em Pacaraima
duas vezes, e uma em Santa Helena, já na Venezuela. Previ que a situação
iria se agravar, o que não é nenhuma vantagem, apenas o óbvio. Por aqui
já passaram mais de 40 mil. Na Colômbia, um milhão de refugiados
cruzaram a fronteira. As ferramentas diplomáticas, Mercosul, Unasul e
mesmo a OEA, são incapazes de achar uma saída. Talvez o único caminho
seja internacionalizar uma crise que transcende a capacidade
sul-americana.
Mas o que pode fazer a ONU? A Europa está sobrecarregada pelo fluxo de
refugiados no Mediterrâneo. E os Estados Unidos, com a escolha de Donald
Trump, fecham-se cada vez mais para as tragédias do mundo.
Como um sistema nervoso autônomo, os mecanismos de monitoramento
continuam funcionando. Eles registram os desequilíbrios, indicam as
desordens. No entanto, não se encontra remédio. A tarefa do sistema
nervoso central está atrofiada, não há antecipação planejada, apenas uma
espera na crise para intervir quando for tarde demais.
O colapso do governo no Rio, por corrupção e incompetência, já era um
sinal de que a crise de segurança se agravaria. A escalada repressiva de
Maduro, uma certeza do êxodo em massa para Colômbia e Brasil.
Assim como no corpo, o sistema nervoso autônomo na sociedade precisa de mais atenção.
No corpo, é ele que nos desestimula, por exemplo, a disputar uma corrida depois de um farto almoço.
Embora isso não explique tudo, creio que os governantes em Brasília e no
Rio não se importam tanto com esses desequilíbrios porque estão atentos
a outros sinais. Ambos têm problemas com a polícia, ambos se esforçam
para escapar dela. Não creio que uma antecipação conseguiria resolver as
crises em Pacaraima ou Copacabana. Mas, certamente, ajudaria.
Um governador que não se prepara para o carnaval, um prefeito que vê
nele uma folga para buscar soluções na Áustria, na Alemanha e na Suécia,
são figuras inúteis.
No caso da Venezuela, Temer pode dizer que o governo anterior não só
apoiou como se tornou cúmplice da tragédia produzida por Maduro. Mas
Temer era vice-presidente. Não é possível que só tenha percebido agora
como o Brasil errou.
E, agora, as coisas são bem mais difíceis. Em Roraima, segundo as
pesquisas, a população, majoritariamente, rejeita os imigrantes. Em
termos regionais, nas eleições, pode acontecer ali algo que aconteceu na
Europa: um avanço da xenofobia.
Nesse caso, como aliás em tantos outros, é preciso preparar o corpo para
pancadas de todos os lados. A direita gostaria de ver a fronteira
fechada. E a esquerda, assim como Crivella, que não vê pessoas na
multidão carnavalesca, dificilmente enxerga direitos humanos nas
milhares de famílias que fogem do socialismo do século XXI, como se
autoproclama a aventura bolivariana.
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