por Ascânio Seleme O Globo
O que ainda falta para o prefeito Marcelo Crivella ser afastado das suas
funções? Se fosse pelas ausências constantes, ele deveria ter caído
ainda no primeiro trimestre de seu governo. Por inépcia, inaptidão ou má
gestão, seu mandato deveria ter sido interrompido antes da metade do
ano passado. Se mentirinhas fossem suficientes, o prefeito teria perdido
a condição de governar antes do fim de 2016. Agora, por mentiras
grandes, oficiais e repetidas, Crivella deveria ser impedido
imediatamente.
O carioca já estava se acostumando com aquela voz macia, pausada, aquele
jeito de homem de bem, meio sonso, mas de bem, aquele sorrisinho de
quem sabe mais do que você, mais para metido do que para simpático. Até
com as mentirinhas de Crivella o carioca já estava se acostumando.
Pareciam mais algumas das bobagens inócuas de um prefeito sem graça e
sem iniciativa. Mas de repente, não! O carioca se deu conta de que o
acúmulo destas mentiras é, na verdade, um absurdo, um abuso. Sobretudo
quando as mentiras implicam prejuízos para a cidade e para o cidadão.
Primeiro, quando flagrado por Bruno Astuto embarcando em Cumbica para
uma viagem para a Europa em pleno carnaval, disse que aproveitava “a
folguinha” para conhecer tecnologias de drones e satélites que pudessem
melhorar a segurança do Rio. Dá vontade de rir, não dá? Depois, já de
volta, insistiu nesta mentira, e pregou outra, disse que a viagem não
tinha caráter oficial. Oras, o prefeito viaja para o exterior, com
outros dois funcionários públicos, para, segundo ele, trazer ideias para
a segurança da cidade e o faz em caráter privado. Fala sério.
Ele que se explique ao Ministério Público do Rio, que abriu inquéritos
para investigar esta e outras viagens suas ao exterior. Ao MP é que ele
deve apresentar as notas das passagens que comprou para si e seus
acompanhantes. E também as contas de hotéis, e os comprovantes de
desembolsos que fez, na data correta, não valem reembolsos, para custear
isso tudo. Duvido que consiga convencer os procuradores. Aos cidadãos
do Rio ele já não convence há muito tempo. O Tribunal de Contas do
Município também quer explicações.
Mesmo antes de tomar posse, o prefeito já dava sinais de como seria sua
gestão. Entre a eleição e a posse, Crivella viajou para o exterior
ignorando o rito da transição. Ele não fez a sua parte, nem nomeou uma
equipe para se desincumbir da tarefa em seu nome. O então prefeito
eleito de São Paulo, João Doria, visitou Paes antes de Crivella para
conhecer experiências que deram certo.
Sobre esta viagem do carnaval, procuradores do MP querem saber por que
ele não solicitou à Câmara de Vereadores autorização para se ausentar. E
se produziu, está produzindo ou vai produzir um relatório da viagem,
como manda a lei. Para entender o que é uma viagem a trabalho, mas em
caráter particular, talvez a explicação da Agência Espacial Europeia
(ESA) faça sentido. A ESA disse a Graça Magalhães-Ruether que a visita
de Crivella teve “caráter puramente privado” e que o prefeito tentou
fazer “badalação” com a viagem.
Outro time do MP investiga Crivella por omissão e improbidade
administrativa. Ele teria menosprezado o carnaval, a principal data do
calendário de festas do Rio, além de cuidar mal da sua preparação. Ao
não participar do evento, o prefeito teria depreciado o patrimônio
imaterial da cidade. Isso significa, em outras palavras, perda econômica
para o município por negligência de seu principal mandatário.
O Ministério Público apurou que o distanciamento do prefeito antes do
carnaval resultou em uma relação precária ou nenhuma com outros órgãos
da administração pública envolvidos com o evento. Os órgãos da
segurança, por exemplo, a cargo do governo do estado, sequer foram
chamados para participar dos preparativos da festa. Nos anos anteriores,
eles tinham até mesmo poder de veto sobre locais e horários de desfiles
de blocos.
Obviamente, esse afastamento resultou na precarização da segurança. E explica a bagunça que se viu nos blocos.
Como se tudo isso não bastasse, aparece agora o caso da cirurgia da mãe
do Crivella feita num hospital público municipal que tem filas de espera
para todos os não parentes do prefeito.
Crivella foi eleito democraticamente. Ganhou de forma legal, nos dois
turnos, a eleição de 2016. No segundo, como manda a Constituição, com
mais da metade dos votos válidos. Se o Rio quiser livrar-se dele, terá
de fazê-lo também pela via democrática. E são dez os casos em que ele
pode ser considerado criminoso e sofrer um processo no Tribunal de
Justiça depois de autorização da Câmara dos Vereadores. Um deles
justamente por atentado à probidade administrativa.
Ascânio Seleme é jornalista
extraídaderota2014blogspot
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