por Marcelo de Mello O Globo
O carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira, estava no ventre de sua mãe
quando Fernando Pinto deu uma aula de como ser político sem desprezar a
estética. Em 1983, o carnavalesco da Mocidade fez a arquibancada gritar
“já ganhou” ao ler em tripés o apelo “Pela demarcação das terras
indígenas”. Manifestar-se assim na ditadura que ninguém mais aguentava
era atitude de grande empatia. Mas o autor do enredo “Como era verde o
meu Xingu” não se acomodou no conteúdo. A forma era linda. Cada uma das
cinco palavras de sua reivindicação vinha num tripé separado, com um
destaque e ornamentado com folhagens e escultura de animal. Até hoje, a
exuberância daquelas alegorias é referência para falar de ecologia na
Sapucaí.
Fernando Pinto morreu em 1987 e ecoa em Leandro Vieira 35 anos depois. O
carnavalesco da Mangueira protestou sem ser zangado nem desagradável. A
começar pelo título do enredo (“Com dinheiro ou sem dinheiro, eu
brinco”), referência a uma deliciosa marchinha.
Suas alegorias não podiam ter estilo mais carnavalesco, mas nem por isso
(ou justamente por isso) deixavam de alfinetar Marcelo Crivella e as
próprias escolas de samba por se afastarem de suas comunidades. As
caricatas esculturas de travestis enfeitavam o desfile e defendiam a
diversidade sexual. A impressionante alegoria da Candelária com a antiga
decoração lembrava aos chefões da festa que um dia foi possível montar
uma beleza de cenário e lotar arquibancadas sem orçamentos milionários. E
a questão aqui é estética, e não o atual governante da cidade. Fosse
Marcelo Freixo o prefeito, e Leandro quisesse criticá-lo, certamente o
faria com imagens bonitas.
Pena que nem todos aprendam a lição dos mestres. Em 1989, Joãosinho
Trinta causou êxtase ao abrir a Beija-Flor com fantasias de mendigo no
enredo “Ratos e urubus... larguem minha fantasia”. Mas as alas a seguir
não negavam a estética carnavalesca tradicional. Pelo contrário, as
alegorias e fantasias só expunham fissuras, rasgos, queimaduras, pedaços
quebrados quando olhadas de perto; de longe, eram frondosas e
exuberantes. Foi uma resposta a quem o acusava de esbanjar dinheiro,
embora ele explicasse que a riqueza estava na aparência, e não no
material.
O carnaval do Cristo Mendigo apenas radicalizou o que o carnavalesco já
fazia, usando matéria-prima barata para causar impacto visual. Era
necessário expor de forma mais evidente a reciclagem, o pano rasgado e o
tecido vagabundo para dar o recado depois de tentar se explicar várias
vezes em vão. Já que as palavras não davam conta do recado, o último
recurso foi produzir imagens explicativas. Como alguém que, irritado com
um interlocutor cabeça-dura, pergunta “quer que eu desenhe?”
Joãosinho Trinta morreu em 2011 mas não ecoa na Beija-Flor sete anos
depois. A escola de Nilópolis deixou de lado o luxo mas, em seu lugar,
pôs alegorias de gosto duvidoso e uma teatralização apelativa. Como se a
validade do protesto político a desobrigasse de ser bonita. Coisa de
quem confunde estética de passeata com escola de samba.
Marcelo de Mello é jornalista
extraidaderota2014blogspot
0 comments:
Postar um comentário