Jornalista Andrade Junior

domingo, 25 de fevereiro de 2018

"Estética de passeata",

 por Marcelo de Mello O Globo

 O carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira, estava no ventre de sua mãe quando Fernando Pinto deu uma aula de como ser político sem desprezar a estética. Em 1983, o carnavalesco da Mocidade fez a arquibancada gritar “já ganhou” ao ler em tripés o apelo “Pela demarcação das terras indígenas”. Manifestar-se assim na ditadura que ninguém mais aguentava era atitude de grande empatia. Mas o autor do enredo “Como era verde o meu Xingu” não se acomodou no conteúdo. A forma era linda. Cada uma das cinco palavras de sua reivindicação vinha num tripé separado, com um destaque e ornamentado com folhagens e escultura de animal. Até hoje, a exuberância daquelas alegorias é referência para falar de ecologia na Sapucaí.


Fernando Pinto morreu em 1987 e ecoa em Leandro Vieira 35 anos depois. O carnavalesco da Mangueira protestou sem ser zangado nem desagradável. A começar pelo título do enredo (“Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco”), referência a uma deliciosa marchinha. 
Suas alegorias não podiam ter estilo mais carnavalesco, mas nem por isso (ou justamente por isso) deixavam de alfinetar Marcelo Crivella e as próprias escolas de samba por se afastarem de suas comunidades. As caricatas esculturas de travestis enfeitavam o desfile e defendiam a diversidade sexual. A impressionante alegoria da Candelária com a antiga decoração lembrava aos chefões da festa que um dia foi possível montar uma beleza de cenário e lotar arquibancadas sem orçamentos milionários. E a questão aqui é estética, e não o atual governante da cidade. Fosse Marcelo Freixo o prefeito, e Leandro quisesse criticá-lo, certamente o faria com imagens bonitas.
Pena que nem todos aprendam a lição dos mestres. Em 1989, Joãosinho Trinta causou êxtase ao abrir a Beija-Flor com fantasias de mendigo no enredo “Ratos e urubus... larguem minha fantasia”. Mas as alas a seguir não negavam a estética carnavalesca tradicional. Pelo contrário, as alegorias e fantasias só expunham fissuras, rasgos, queimaduras, pedaços quebrados quando olhadas de perto; de longe, eram frondosas e exuberantes. Foi uma resposta a quem o acusava de esbanjar dinheiro, embora ele explicasse que a riqueza estava na aparência, e não no material. 
O carnaval do Cristo Mendigo apenas radicalizou o que o carnavalesco já fazia, usando matéria-prima barata para causar impacto visual. Era necessário expor de forma mais evidente a reciclagem, o pano rasgado e o tecido vagabundo para dar o recado depois de tentar se explicar várias vezes em vão. Já que as palavras não davam conta do recado, o último recurso foi produzir imagens explicativas. Como alguém que, irritado com um interlocutor cabeça-dura, pergunta “quer que eu desenhe?”
Joãosinho Trinta morreu em 2011 mas não ecoa na Beija-Flor sete anos depois. A escola de Nilópolis deixou de lado o luxo mas, em seu lugar, pôs alegorias de gosto duvidoso e uma teatralização apelativa. Como se a validade do protesto político a desobrigasse de ser bonita. Coisa de quem confunde estética de passeata com escola de samba.

Marcelo de Mello é jornalista





















extraidaderota2014blogspot

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