CARLOS ANDREAZZA O GLOBO
Esta é a tragédia: Lula, a âncora do sistema, variável em função da qual todos se orientam, é também — por artifício próprio — o forasteiro. Ou há outra definição para quem disputará a eleição nos tribunais, talvez até preso (não creio), e que ainda assim tem — terá — lugar, ele próprio ou aquele que o representar, no segundo turno? Lula é o outsider de dentro; e, contra esse estado de anomia, garanto, a resposta aventureira é atalho para a derrota.
Acorda, professor!
Sou um homem da tradição. Vivemos mesmo, eu sei, o período das pequenas traições — aquele, clássico, em que, por exemplo, o PSDB se boicota. É espantosa a valentia da covardia dos frouxos entre si. Mas, pergunto: que tal cultivar os costumes com moderação? Sim. É tempo dos balões de ensaio; época pré-eleitoral em que atores — competitivos ou não — inflam a própria estatura, até como postulantes (de assessoria de imprensa) ao Planalto, tudo para afinal costurarem a aliança que garantirá ao partido um candidato a vice. É o caso do estadista de jornal Rodrigo Maia, em busca de tirar o DEM da irrelevância. Funciona assim mesmo. E, tudo bem, há lugar para uma ou outra extravagância. As candidaturas de Dr. Rey e Fernando Collor, por exemplo.
Excentricidade nenhuma, porém, encobre — não por muito tempo — o fundamento constrangedor do que é e sempre foi, sem descartar hipóteses combinadas, oportunismo, burrice ou delírio. Chego ao ponto. Há uma óbvia explicação para a fantasia “Luciano Huck presidente”; mas, se quiserem entender a prosperidade dessa quimera, os encantados pelo desvario precisarão admitir a própria compreensão infantil do que seja atividade política, o paraíso dos arrivistas.
A Lava-Jato, como símbolo de um país que se revoluciona (ou que assim se ilude), ensejou o fetiche segundo o qual, criminalizada a política, haveria uma janela de oportunidade a tal renovação, mesmo apesar de o mundo real informar diariamente sobre a reafirmação do establishment e o esmagamento de brechas para eleitos que não os de sempre. O sonho será — já está — frustrado. Mas: como descartá-lo? Como, se houve o impeachment (conquista, claro, das ruas, e não de Eduardo Cunha), se há grande empreiteiro preso (e solto) e se um ex-presidente estaria em vias de? Ora: neste cenário de Walt Disney, o novo (que já foi Doria), na figura de um outsider (que ainda será Flavio Rocha), seria inevitável; a política sem político, o porvir incontornável. É onde a resiliência Huck entra: o Macron brasileiro (porque se prefere ignorar quem é o presidente francês e qual a sua origem); Peter Pan a fazer acreditar na Terra do Nunca — a mais importante candidatura da história entre as nunca levadas a sério pelos jogadores com acesso à mesa.
Ou terá algum partido grande (ou médio) se mobilizado por ele ou lhe aberto portas, ou dirigido seu planejamento em função de o apresentador ser ou não candidato? Aliás: quererá a abstração “eleitor”, ainda que cansada de políticos, alguém de fora da política ou um nome que, de dentro ou de fora, apresente-se como capaz de lhe resolver o problema?
O anseio por um outsider — supostamente indicado em pesquisas — é ficção de cientista político que vende o que o cliente quer comprar. Huck só foi uma possibilidade presidencial onde nada se resolve (FHC não tem a mais mínima influência no PSDB); onde há busca por garoto-propaganda que fizesse publicidade gratuita para movimentos antipolíticos como os tais Agora! e RenovaBR; e para quem, sem ter o que perder, poderia especular, certo de que terá lugar no esquema profissional, uma vaga na coligação de sempre, quando chegar a hora de sair do parquinho: o PPS de Roberto Freire, antigo Partido Comunista Brasileiro e atual satélite tucano. O mesmo serve para Henrique Meirelles, o fantoche por meio do qual Gilberto Kassab negociará — a subir o preço — o apoio certo a Alckmin. E para o tal namoro entre Joaquim Barbosa e PSB — um partido que, cindido talvez em quatro, nem para se vender como conjunto prestará; o que dizer de lançar candidato à Presidência?
Luciano Huck chegou até aqui — mesmo sem nunca haver tido existência eleitoral senão para a sobrevida de políticos sem voto ou na bolha em que vivem os empresários culpados pela própria riqueza — como espécie de acomodação da fé renovadora, como muleta da novidade que envelhece sem vir, como encarnação do adiamento por meio do qual o Brasil que voa de jatinho (financiado pelo BNDES) atrasa o quanto pode o contato com o Brasil de verdade; esse no qual Huck aderirá ao Aécio da vez; se muito rebelde, à Marina de turno.
Carlos Andreazza é editor de livros
extraídadeavarandablogspot
0 comments:
Postar um comentário