As ideias já estavam fora de lugar antes da condenação de Lula pelo TRF-4 e sua consequente inelegibilidade. O voto unânime dos três magistrados mudou radicalmente o panorama político-eleitoral. As ideias moveram-se junto com os votos, girando 180 graus — e continuaram fora de lugar. Não era verdade, antes, que as eleições presidenciais necessariamente ficariam reféns da polarização entre populistas de esquerda e de direita. Não é verdade, agora, que o espectro dos populismos simétricos tenha sido conjurado. Agora, como antes, o enigma situa-se em outro lugar: a crise do centro político no Brasil.
Antes da sentença do TRF-4, as sondagens atribuíam a Lula algo em torno de 35% das intenções de voto, enquanto Jair Bolsonaro atingia cerca de 15%. O número relevante, que passava quase imperceptível, era 50% — não a soma dos potenciais eleitores de ambos, mas a metade do eleitorado avesso às duas alternativas populistas. Num cenário em que a massa menos informada dos cidadãos só sabia da existência daquelas duas candidaturas, 50% declaravam rejeitá-los. O espaço para uma candidatura vitoriosa de centro ampliou-se, obviamente, com a virtual destruição da postulação de Lula. Mas o centro não triunfará se persistir na sua crônica incapacidade de formular um discurso político popular.
O outono do lulismo reflete-se na fragmentação do campo do populismo de esquerda. Ciro Gomes (PDT), Manuela D’Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos, presumível candidato pelo PSOL, já disputam seu espólio eleitoral, enquanto o PSB tenta atrair o interesse de Joaquim Barbosa. Tudo indica, porém, que o PT erguerá uma candidatura própria. Nutrido a partir da campanha fantasmagórica de Lula, que promete a restauração de uma mítica “idade de ouro” e exibe-se como vítima da “perseguição das elites”, mister X, o candidato do PT, tem chances apreciáveis de ultrapassar a barreira do primeiro turno. Nessa hipótese, uma imagem holográfica de Lula reunificaria, no segundo turno, o bloco do capitalismo de compadrio, do corporativismo e do paternalismo estatal.
Na ponta oposta (ao menos, aparentemente), o populismo de direita apresenta-se unificado desde o início. Bolsonaro investiu no promissor mercado eleitoral do ódio ao lulismo, mesclando sua alma original ultranacionalista a uma agenda ultraliberal fornecida por seitas ideológicas das catacumbas da internet. O Santo Guerreiro precisa do Dragão da Maldade: a ausência de Lula tende a esvaziar o discurso de Bolsonaro. Contudo, por enquanto, sua candidatura progride, alimentada pela ilusória candidatura de Lula. Dias atrás, num evento patrocinado pelo BTG Pactual, o sombrio deputado foi ovacionado por mais de dois mil investidores, uma reiterada comprovação de que a idiotia política e a habilidade para ganhar dinheiro não são mutuamente excludentes.
Mister X (Lula em holografia ou Ciro Gomes, ou mesmo Boulos) versus Bolsonaro? Mesmo agora, não pode ser descartada a hipótese de um tóxico segundo turno, uma “escolha de Sofia” entre a tradição varguista e a nostalgia da ditadura militar, uma recusa absoluta a encarar os dilemas do presente. Contudo, só seremos arrastados a essa encruzilhada impossível se o centro político concluir sua trajetória de implosão.
O PSDB avançou, de olhos abertos, rumo ao abismo engalfinhando-se durante 15 anos nas estéreis lutas intestinas entre seus caciques, firmando um pacto faustiano com Eduardo Cunha em nome do impeachment e, finalmente, perfilando-se com o Aécio Neves do malote de dinheiro da JBS. Mas o colapso tem raízes mais profundas: desenhou-se lá atrás, quando o partido de FHC não soube formular uma política social alternativa ao programa paternalista de estímulo ao consumo privado conduzido pelo lulismo triunfante. O vazio de ideias da candidatura de Geraldo Alckmin espelha um impasse antigo, que se manifesta agonicamente nas periódicas celebrações tucanas dos aniversários do Plano Real.
“Exemplo de lealdade no ninho: enquanto Alckmin tenta consolidar sua candidatura, FHC busca um Macron para chamar de seu”, disparou um obscuro deputado petista, acertando o alvo. Duvidando do candidato tucano, FHC descreve círculos especulativos ao redor da potencial candidatura de Luciano Huck, qualificando-a como “boa para o Brasil”, capaz de “arejar” o cenário e “botar em perigo a política tradicional”. O Macron da França surgiu no vórtice de uma crise dramática, criou um partido centrista viável e ofereceu à nação um ousado projeto de reformas econômicas, sociais e institucionais. Já o Macron de FHC emerge como fenômeno exclusivamente midiático: uma estrela brilhante na constelação das celebridades.
Macron — como, em circunstâncias nacionais diferentes, o argentino Mauricio Macri e o partido espanhol Cidadãos — evidencia que o centro político é capaz de se reinventar diante do desafio populista. O Macron de FHC é o exato oposto disso: um atestado de falência do nosso centro político.
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