REINALDO AZEVEDO FOLHA DE SP
Não me surpreende. Política não se esgota na matemática. Também não é inteiramente explicável pela lógica. Mas pobre do tolo que desprezar o saber objetivo em favor de achismos, impressões e estreitezas ideológicas. Análise política, por sua vez, não é profecia, jogo de búzios, arcanos de tarô. Andará bem aquele que fizer seus diagnósticos e prognósticos levando em conta os valores que estão sendo agredidos ou incensados.
Há precisamente um ano, no dia 17 de fevereiro de 2017, escrevi neste espaço o seguinte: "Ainda é cedo, claro! Mas uma sociedade diz alguma coisa de si mesma, do processo político e do futuro quando uma média de 30% dos eleitores, mesmo depois de tudo, está com Lula. E poderia ser diferente? A indignação com a corrupção e os desmandos do PT degenerou depressa em moralismo tacanho, em ódio à política, em contínua depredação de procedimentos mesmo os mais corriqueiros da atividade. Se todos são mesmo iguais, então Lula é melhor."
Mas quê... Não só o campo não petista continuou apegado ao túmulo da moral como insistiu em endossar as ilegalidades da Lava Jato, que atingiriam o estágio do sublime com a patranha que uniu Rodrigo Janot, Joesley Batista, Edson Fachin e Cármen Lúcia. A articulação, com apoio escancarado dos veículos do Grupo Globo —cadê o endosso do presidente à compra do silêncio de Eduardo Cunha ou o pedido de desculpas?—, buscava derrubar Michel Temer em uma semana. O presidente não caiu. Mas a inflação despencou de 10% para menos de 3%; a Selic mergulhou do trampolim dos 14,25% para 6,75%; a economia saiu de uma recessão de 3,6% para um crescimento de estimáveis 3,5% neste 2018. E só não temos uma reforma da Previdência robusta por causa da tramoia dos açougueiros de instituições.
E Lula chegou a roçar o patamar dos 40%. Não obstante, o campo centrista que se opõe ao PT insiste em ignorar as conquistas do governo Temer e se nega a fazer a politização virtuosa do desmonte das armadilhas do petismo. Não há salvação (a palavra é essa) fora de uma candidatura que sustente esse legado.
"Como, Reinaldo? Defender o governo Temer?" Sim, é disso que se trata. Se as alternativas fossem derrota e derrota --o que acho falso desde que haja coragem de dizer o óbvio—, melhor seria perder fazendo a coisa certa do que perder fazendo a coisa errada. O cínico de plantão poderia tentar a saída pela porta da piada: "Que tal tentar ganhar fazendo a coisa errada, isto é, ignorando o governo?"
Essa alternativa não existe porque, na realidade aplicada, o campo não esquerdista teria de vencer as eleições negando o que de correto e necessário se fez até agora. Pior: a depender do calor dos embates, teria de prometer desfazer o certo, como o teto de gastos, por exemplo. E, por óbvio, a vitória de uma proposta assim nas urnas —do PT ou de qualquer outro grupo— implicará uma derrota para o país que cobrará seu preço gerações afora.
PS - Parecer de Raquel Dodge, procuradora-geral da República, contra a concessão de habeas corpus preventivo a Lula traz muitos erros, dois deles pedestres. No meu blog, explico no detalhe. A doutora erra ao afirmar que Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) gera "efeito vinculante", que ela mistura com "repercussão geral", numa salada dos diabos. Diz ainda que o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP), que trata da presunção da inocência, não pode definir o sentido do trecho da Constituição (inciso 57 do art. 5º) que aborda assunto idêntico. E com as mesmas palavras! Ora, é claro que não! Até porque o artigo 283 do CPP foi alterado por uma lei de 2011, e a Constituição é de 1988. A lei foi redigida segundo os auspícios da Carta, não o contrário. A menos que a procuradora-geral tente transformar o que veio depois em causa do que veio antes... Na carnavalização geral, o direito brasileiro está virando o samba-dos- procuradores-e-dos-juízes-doidos.
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