Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 3 de maio de 2017

STJ se omite e o Supremo decidirá o caso do cartão corporativo de Rose

Carlos Newton

É triste, realmente desanimador. Mas a Justiça brasileira se transformou numa espécie de exercício de caça às brechas da lei. Questões judiciais simples e sem maiores implicações se eternizam e acabam engarrafando o Supremo Tribunal Federal, sem a menor justificativa. É justamente o que acaba de acontecer com o Mandado de Segurança 20895, impetrado pelo repórter Thiago Herdy e pela empresa InfoGlobo para que se respeite a Lei da Transparência e sejam revelados os gastos em cartão corporativo da ex-chefe do Gabinete da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha, no anos de 2003 a 2010, no Brasil e nas 32 viagens oficiais ao exterior.
A questão foi movida em 2013, já no governo Dilma Rousseff, que se recusou a fornecer as informações, embora este tipo de gasto não seja protegido por sigilo em qualquer texto legal. Pelo contrário, tem de estar obrigatoriamente à disposição, segundo a legislação vigente.
DIREITO LÍQUIDO E CERTO – Ao ser julgada em 12 de novembro de 2014 no Superior Tribunal de Justiça, a questão foi decidida por unanimidade pela 1ª Turma daquela corte, que teve como relator o ministro Napoleão Nunes Maia. E seu voto não deixou margem a dúvidas, ao assinalar que a recusa de fornecer os dados, com o detalhamento solicitado, constitui violação ilegal do direito líquido e certo da empresa e do jornalista de terem acesso à informação de interesse coletivo, assegurado pela Constituição e regulamentado pela Lei 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação).
“Inexiste justificativa para manter em sigilo as informações solicitadas, pois não se evidencia que a publicidade de tais questões atente contra a segurança do presidente e vice-presidente da República ou de suas famílias, e nem isso ficou evidenciado nas informações da Secretaria de Comunicação”, afirmou Nunes Maia em seu parecer.
“A divulgação dessas informações seguramente contribui para evitar episódios lesivos e prejudicantes”, concluiu o ministro.
RECURSOS PROTELATÓRIOS – Foram apresentados recursos e petições de caráter protelatório pela Advocacia-Geral da União, mas acabaram sendo sucessivamente derrubados pela presidente do STJ, ministra Laurita Vaz, e pelo vice-presidente Herman Benjamin, que deu prazo de 10 dias para que a Casa Civil fornecesse as informações. No desespero, a AGU entrou com Recurso Extraordinário, para levar a questão a exame do Supremo.
Detalhe: um recurso desse teor, sem sustentação legal, jamais não deveria ser encaminhado ao STF, mas a Justiça brasileira anda para trás  ao invés de simplificar o trâmite, tem complicado cada vez mais, e agora qualquer questão pode acabar chegando ao Supremo.
SEM JUSTIFICATIVAS – No caso de Rosemary, as justificativas da AGU eram prosaicas e citavam três dispositivos constitucionais de caráter genérico:
1) os Poderes da União são independentes e harmônicos;
2) são ressalvadas de divulgação as informações oficias cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
3) os julgamentos serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.
SEM BASE LEGAL – Como se vê, esses dispositivos constitucionais podem ser lidos 500 vezes, até de trás para a frente, e jamais se encontrará uma justificativa real para que a presidente do STJ, ministra Laurita Vaz, remetesse a questão ao Supremo. Mas ela o fez, atendendo a uma vaga alegação de “existência de repercussão geral da matéria”, nos termos do art. 1.030, inciso V, alínea “a”, do Código de Processo Civil.
Este dispositivo determina que o STF examine recurso extraordinário que “ainda não tenha sido submetido ao regime de repercussão geral ou de julgamento de recursos repetitivos”. Ou seja, tem de ser uma questão insólita, sobre a qual ainda não exista nenhuma ação similar julgada pela Supremo e também não haja jurisprudência.
Mas não é caso, decididamente. Existe farta jurisprudência no Supremo sobre a divulgação de informações oficiais. Não demorei mais de cinco minutos para localizar na internet essa abundante jurisprudência, inclusive há um voto magistral do ministro Luiz Fux em que cita o pensador Norberto Bobbio. Bem, se o Supremo já tornou obrigatório divulgar até os salários de qualquer servidor público, por que os gastos do cartão corporativo da amante de um presidente da República podem ser sigilosos?
IMPROBIDADE – Deve-se enfatizar que se trata de um caso comprovadíssimo de improbidade administrativa, em que o chefe do governo criou um cargo público exclusivamente para nomear a amante, com alto salário, gastos de aluguel e manutenção do novo gabinete, despesas com carro oficial, motorista, combustível, contratação de assessores e secretária para a chefe do Gabinete da Presidência em São Paulo. E tudo isso sem necessidade alguma, apenas para ter a amante por perto, na capital paulista e em Brasília, para onde ela se deslocava com frequência, às custas do erário, ganhando diárias e com todas as despesas pagas.
Ainda não satisfeito, o ímprobo chefe da nação teve a desfaçatez de se fazer acompanhar da amante a bordo do  avião presidencial, em 32 viagens oficiais ao exterior, na ausência da primeira-dama verdadeira, e mandava pagar diárias internacionais à concubina, como se dizia antigamente.
LAVANDO AS MÃOS – Em qualquer país dito civilizado, seria um escândalo horrível, com o chefe da nação respondendo a processo e tudo o mais. No Brasil, não aconteceu rigorosamente nada. O Ministério Público simplesmente lavou as mãos. E agora STJ também se omite e determina que a questão tem de ser julgada pelo Supremo, para que enfim se decida se são sigilosas as informações do cartão corporativo de uma servidora de cama e mesa, em gastos efetuados no Brasil e no exterior.

Isso é uma vergonha para o Judiciário brasileiro, especialmente para o Superior Tribunal de Justiça, cujo presidente anterior, Francisco Falcão, e o ministro Navarro Dantas estão sendo investigados no Supremo por crime de obstrução à Justiça,  e agora surgem mais dois ministros envolvidos na Lava Jato, Humberto Martins e Benedito Gonçalves. Mas quem se interessa?







































EXTRAÍDADETRIBUNADAINTERNET

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