por Luiz Roberto Cunha O Globo
Num reino muito distante, que um dia foi chamado de Belíndia, onde
durante longos anos a inflação era muito elevada, numa província
costeira, ainda no século passado, um grupo de economistas,
relativamente jovem, atuou durante alguns meses na área da “fazenda
pública”.
O grande desafio daqueles tempos era, como ainda é até hoje, passados
quase 30 anos, pagar as contas. Como, em todo e qualquer governo,
salários, aposentadorias e pensões tinham um peso elevado no orçamento
da província, mas naquela época, as dívidas ainda eram administradas
pelo “Tesouro da Província” (um nome pomposo para o órgão que
administrava os recursos de um governo já quase falido) e não pelo
tesouro do reino.
Diariamente o “Tesouro ou Erário da Província” “rolava” a dívida (até
porque dívida de governo não é para ser paga, só rolada) com um pequeno
ganho, em grande parte devido à elevada inflação e taxa de juros. O
economista responsável pelo “Tesouro” diariamente “abria o caixa”
verificando o saldo. Após esta etapa dedicava-se, ao longo do dia, a
explicar a todos os demais entes públicos responsáveis pelas diversas
atividades da província que, uma vez “rolada” a dívida, pagos os
salários, aposentadorias e pensões (bons tempos aqueles...), que o saldo
em “caixa” teria que ser priorizado. Assim, com base nas informações e
estudos efetuados, o economista passava o dia informando que, quem não
fosse responsável pela: 1. merenda das crianças; 2. gasolina da polícia;
3. comida dos presos, devia dar-se por satisfeito por estar com o
salário em dia e deveria ligar no dia seguinte para ver ser havia alguma
sobra no “caixa”, decorrente da rolagem do dia anterior.
Não havia necessidade de explicar as prioridades, especialmente no que
se referia à merenda e à gasolina, mas no caso da comida dos presos,
alguns dos não aquinhoados solicitavam uma justificava. Então, o
economista (esta fábula se passa num tempo em que não tinha ainda
ocorrido um massacre num presídio de outra província próxima, como o que
ficou pelo nome indígena de “carandiru”) explicava que os especialistas
haviam lhe dito que comida estragada era sempre o elemento que faltava
para que as diferentes facções se juntassem para fazer uma rebelião. O
economista, mesmo sem ser sociólogo ou cientista político, mas tendo
tido uma formação humanista, sabia que, por pior que fosse o crime, e
por mais que a sociedade tenha uma certa indiferença com os “apenados”,
uma rebelião e suas consequências eram sempre um risco de desgaste do
governo e também para a sociedade civil daquela sofrida província.
Mas qual era o milagre daqueles tempos, que permitia que a província
ainda pudesse pagar em dia os salários, as aposentadorias e as pensões
e, pasmem, a merenda, a gasolina da polícia e a comida dos presos? Como
dissemos no inicio desta fábula, havia uma elevada inflação no reino.
Este era o milagre, pois os salários, as aposentadorias e as pensões,
que só recebiam reajustes de tempos em tempos e, quando eram pagos
(desculpem o economês) valiam menos em termos reais, ou seja, a cada mês
a inflação “comia” um pedaço dos salários, das aposentadorias e das
pensões. Por outro lado, os “magos” das finanças do país tinham
inventado, já há alguns anos, uma outra parte da mágica e os tributos
eram todos corrigidos diariamente pela inflação, uma mágica denominada
“indexação”. Uma “mágica besta” mas poderosa, que favorecia os governos e
todos aqueles que tinham dinheiro nos bancos, ao receberem algum
rendimento pela perda gerada pela inflação, que do outro lado ‘comia’ os
salários, as aposentadorias e as pensões. Enquanto a maior parte dos
súditos do reino, que não tinham conta em banco e que já começavam o mês
devendo, perdiam ainda mais com a inflação... Mas estes súditos não
tinham “força política”, votavam de “cabresto”, não contavam...
Mas qual é o final desta fábula? Um dia depois de alguns meses naquela
ingrata tarefa, durante um “verão”, o governo do reino fez uma outra
mágica, para tentar acabar com a mágica da inflação. Um plano
mirabolante, que ia acabar com a inflação. Aí o economista pensou: como
era a inflação que permitia pagar os salários, as aposentadorias e as
pensões em dia, embora valendo menos que no mês anterior, e pagar a
merenda, a gasolina da polícia e a comida dos presos, o que ele ia fazer
sem inflação? O economista pediu demissão e foi se “chatear” em outro
lugar. O plano mirabolante daquele “verão” fracassou, como alias já
haviam fracassado diversos outros planos para acabar com a inflação. Mas
o problema da dívida aumentou e o reino começou a fazer programas de
renegociação da dívida das províncias. Dizem os cronistas que, nos
tempos atuais, as renegociações das dívidas já estão na 6ª ou 7ª versão,
até porque depois que um plano “realmente” conseguiu reduzir a
inflação, o problema agora do reino, cada vez mais dramático, é uma tal
de dívida pública, um tal de déficit primário, ou seja, problemas que
não existiam quando tinha a tal da inflação... (Uma homenagem ao
acadêmico, economista Edmar Bacha)
Luiz Roberto Cunha é economista, professor da PUC-Rio
extraídaderota2014blogspot
0 comments:
Postar um comentário