Jornalista Andrade Junior

terça-feira, 11 de abril de 2017

"Fábula sobre gestão de uma província falida",

 por Luiz Roberto Cunha O Globo

 Num reino muito distante, que um dia foi chamado de Belíndia, onde durante longos anos a inflação era muito elevada, numa província costeira, ainda no século passado, um grupo de economistas, relativamente jovem, atuou durante alguns meses na área da “fazenda pública”.
O grande desafio daqueles tempos era, como ainda é até hoje, passados quase 30 anos, pagar as contas. Como, em todo e qualquer governo, salários, aposentadorias e pensões tinham um peso elevado no orçamento da província, mas naquela época, as dívidas ainda eram administradas pelo “Tesouro da Província” (um nome pomposo para o órgão que administrava os recursos de um governo já quase falido) e não pelo tesouro do reino. 
Diariamente o “Tesouro ou Erário da Província” “rolava” a dívida (até porque dívida de governo não é para ser paga, só rolada) com um pequeno ganho, em grande parte devido à elevada inflação e taxa de juros. O economista responsável pelo “Tesouro” diariamente “abria o caixa” verificando o saldo. Após esta etapa dedicava-se, ao longo do dia, a explicar a todos os demais entes públicos responsáveis pelas diversas atividades da província que, uma vez “rolada” a dívida, pagos os salários, aposentadorias e pensões (bons tempos aqueles...), que o saldo em “caixa” teria que ser priorizado. Assim, com base nas informações e estudos efetuados, o economista passava o dia informando que, quem não fosse responsável pela: 1. merenda das crianças; 2. gasolina da polícia; 3. comida dos presos, devia dar-se por satisfeito por estar com o salário em dia e deveria ligar no dia seguinte para ver ser havia alguma sobra no “caixa”, decorrente da rolagem do dia anterior.
Não havia necessidade de explicar as prioridades, especialmente no que se referia à merenda e à gasolina, mas no caso da comida dos presos, alguns dos não aquinhoados solicitavam uma justificava. Então, o economista (esta fábula se passa num tempo em que não tinha ainda ocorrido um massacre num presídio de outra província próxima, como o que ficou pelo nome indígena de “carandiru”) explicava que os especialistas haviam lhe dito que comida estragada era sempre o elemento que faltava para que as diferentes facções se juntassem para fazer uma rebelião. O economista, mesmo sem ser sociólogo ou cientista político, mas tendo tido uma formação humanista, sabia que, por pior que fosse o crime, e por mais que a sociedade tenha uma certa indiferença com os “apenados”, uma rebelião e suas consequências eram sempre um risco de desgaste do governo e também para a sociedade civil daquela sofrida província.
Mas qual era o milagre daqueles tempos, que permitia que a província ainda pudesse pagar em dia os salários, as aposentadorias e as pensões e, pasmem, a merenda, a gasolina da polícia e a comida dos presos? Como dissemos no inicio desta fábula, havia uma elevada inflação no reino. Este era o milagre, pois os salários, as aposentadorias e as pensões, que só recebiam reajustes de tempos em tempos e, quando eram pagos (desculpem o economês) valiam menos em termos reais, ou seja, a cada mês a inflação “comia” um pedaço dos salários, das aposentadorias e das pensões. Por outro lado, os “magos” das finanças do país tinham inventado, já há alguns anos, uma outra parte da mágica e os tributos eram todos corrigidos diariamente pela inflação, uma mágica denominada “indexação”. Uma “mágica besta” mas poderosa, que favorecia os governos e todos aqueles que tinham dinheiro nos bancos, ao receberem algum rendimento pela perda gerada pela inflação, que do outro lado ‘comia’ os salários, as aposentadorias e as pensões. Enquanto a maior parte dos súditos do reino, que não tinham conta em banco e que já começavam o mês devendo, perdiam ainda mais com a inflação... Mas estes súditos não tinham “força política”, votavam de “cabresto”, não contavam...
Mas qual é o final desta fábula? Um dia depois de alguns meses naquela ingrata tarefa, durante um “verão”, o governo do reino fez uma outra mágica, para tentar acabar com a mágica da inflação. Um plano mirabolante, que ia acabar com a inflação. Aí o economista pensou: como era a inflação que permitia pagar os salários, as aposentadorias e as pensões em dia, embora valendo menos que no mês anterior, e pagar a merenda, a gasolina da polícia e a comida dos presos, o que ele ia fazer sem inflação? O economista pediu demissão e foi se “chatear” em outro lugar. O plano mirabolante daquele “verão” fracassou, como alias já haviam fracassado diversos outros planos para acabar com a inflação. Mas o problema da dívida aumentou e o reino começou a fazer programas de renegociação da dívida das províncias. Dizem os cronistas que, nos tempos atuais, as renegociações das dívidas já estão na 6ª ou 7ª versão, até porque depois que um plano “realmente” conseguiu reduzir a inflação, o problema agora do reino, cada vez mais dramático, é uma tal de dívida pública, um tal de déficit primário, ou seja, problemas que não existiam quando tinha a tal da inflação... (Uma homenagem ao acadêmico, economista Edmar Bacha)
Luiz Roberto Cunha é economista, professor da PUC-Rio



































extraídaderota2014blogspot

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