José Roberto de Toledo: O Estado de São Paulo
O fim da era petista decretado pelas eleições municipais de 2016 é mais
do que um fato histórico. Ao quebrar o modelo das disputas políticas no
País nas últimas décadas, diz tanto sobre o passado quanto sobre o
futuro da política brasileira. Sua resultante tem muitos nomes: vitória
da antipolítica, guinada à direita, ressurreição do PSDB, ressaca da
Lava Jato. Em maior ou menor grau, todos nomeiam partes do fenômeno.
Para tentar compreendê-lo no todo, convém repassar a história.
A exuberância do consumo popular nos anos Lula produziu um inchaço do
petismo. Em média, a preferência pelo PT cresceu oito pontos (um PSDB de
novos simpatizantes) no período de 2002 a 2010 em comparação aos oito
anos anteriores. Inchaço porque não foi um crescimento sustentável.
Durante a era Dilma, a simpatia pelo partido recuou tudo o que crescera e
mais um pouco: nove pontos, na média 2011-2015 da preferência
partidária do Ibope.
Em 2016, ao longo da novela do impeachment coadjuvada pela recessão, o
petismo perdeu mais dez pontos e voltou ao século passado. Essa
fotografia da crise foi tirada após a maior derrota eleitoral do PT em
sua história. Ainda não se sabe se plasmou o fim do partido como o
conhecemos ou se registrou um momento de exceção. Por isso, é melhor
analisar as médias.
Mesmo terraplanando os picos de euforia e depressão petista, o governo
Lula inflou em 50% a preferência pelo PT. Encheu-a pelo bolso, muito
mais de pragmatismo do que de ideologia. Mais gente passou a frequentar
o supermercado e abrir crediário na Casas Bahia. Menos gente fez greves
e promoveu invasões de terra.
Em paralelo à desmobilização da militância partidária e ao torpor
sindical, as prefeituras, as câmaras, as assembleias e a Esplanada dos
Ministérios se encheram de petistas. Novos e velhos, convertidos e
históricos, aos milhares. A ocupação do poder institucional somada ao
inchaço da preferência pelo PT mudou o comportamento do eleitorado
brasileiro como um todo, inclusive o das outras forças políticas. Por
reação.
Se antes de o PT ganhar eleições federais sucessivas e desalojar outros
partidos já existia um antipetismo, depois disso ele ganhou dimensão
muito maior, proporcional ao protagonismo do partido e de seu líder,
Lula. A partir de 2004 e, em especial, de 2006, as eleições se
organizaram em um eixo PT versus anti-PT. A polarização passou a ter
fronteiras no mapa.
Era possível ver as forças antagônicas de luneta (nas grandes regiões, o
Nordeste versus o Sul-Sudeste antipetista) e no microscópio (dentro das
cidades, a periferia pobre pró-PT versus centro rico anti-PT). O
engajamento cresceu de ambos os lados. Houve um aquecimento global do
clima político.
Mais cabeças foram feitas. Em 2010, os “engajados convictos” eram 49% do
eleitorado, segundo estudo do Ibope Inteligência. Ou seja, metade
definiu seu voto logo no começo da campanha, assim que descobriu quem
era a candidata do PT e quem era seu principal opositor. Em 2016,
diminuiu muito o engajamento. Houve um terço a menos de cabeças-feitas,
na maioria ex-petistas.
Esses 15% do eleitorado viraram um “isentão decisivo” (de 17% para 23%)
ou um desinteressado por política que “só vota obrigado” (de 27% para
33%). Ambos deixaram para definir seu voto e prefeito na última hora. Os
3% restantes simplesmente não votaram, elevando os ausentes do processo
eleitoral para 10%.
O desinchaço do petismo não apenas levou à derrocada do partido, como
contribuiu para diminuir o engajamento médio do eleitorado como um todo.
Junto com as mídias sociais, estimulou o voto volúvel e improvisado,
produzindo mudanças de última hora nas corridas eleitorais. Por tabela,
ajudou a viabilizar azarões, inflou os votos nulos e favoreceu aqueles
que se apresentam como antipolíticos. E isso é só o começo.
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