editorial do Estadão
Recentemente, foi apresentada no Senado a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) 47/2016 para regulamentar a atividade de
representação de interesses perante o poder público, o famoso lobby. O
tema gera controvérsias. Desde a promulgação da Constituição de 1988,
vários projetos foram apresentados com o objetivo de atribuir à
atividade um caráter legítimo e legal. Até agora nenhum prosperou,
revelando o interesse de boa parte dos congressistas em manter a
atividade à margem da lei.
Na defesa da regularização do lobby, alega-se com frequência seu caráter
inevitável. Tendo em vista que sempre existirá, é preferível que a
defesa de interesses privados seja feita sob a luz da lei, dizem os
apoiadores da causa. O argumento, porém, dá ao lobby uma injusta
conotação de mal necessário. A representação de interesses privados é
legítima e pode contribuir para a melhoria da qualidade da representação
política. Não há razão para considerar que tais interesses – tanto o
lucrativo como o terceiro setor, beneficente – obrigatoriamente
contrariem o interesse público. Nesse assunto não cabem ingenuidades,
como também não cabem preconceitos. E, justamente por isso, a
regulamentação do lobby deve estabelecer regras que, tornando a prática
mais transparente, dificultem a proliferação de interesses e atuações
pouco legítimas.
Assim, seria razoável olhar com bons olhos a PEC 47/2016. O texto,
porém, apresenta sérios inconvenientes. Em primeiro lugar, ele inclui o
Poder Judiciário como possível espaço para o exercício do lobby. Ora, na
esfera judiciária, a defesa de interesses já tem um trilho bem
definido, que é o processo judicial. A admissão de outras vias seria
conferir um indevido caráter político ao Judiciário, cuja missão
institucional exige precisamente uma delicada isenção. Definitivamente, o
Judiciário não é território para o lobby.
Outro grave defeito da PEC 47/2016 está em abrir a possibilidade de se
conceder aos “agentes de representação de interesses” prerrogativas que
de modo nenhum devem ter. Por exemplo, segundo a proposta, as entidades
federativas poderão conceder aos lobistas do Poder Legislativo o
“direito a voz no âmbito de reunião de comissão; direito à apresentação
formal de emendas a proposições; direito ao acompanhamento pessoal da
tramitação de matéria de seu interesse, vedado o acesso aos ambientes
exclusivos de parlamentares; direito de acostar memoriais e documentos a
proposições de seu interesse”.
Ao tratar dos lobistas do Poder Executivo, a PEC também vai além do
razoável, e menciona a possibilidade de lhes conceder o “direito de
acostar memoriais e documentos aos processos de seu interesse”.
A concessão de tais prerrogativas é um evidente exagero. No caso do
Legislativo, os lobistas são presenteados indevidamente com o instituto
da representação: poderão apresentar emendas e propostas como se
parlamentares fossem. No caso do Executivo, o texto é vago a ponto de
admitir interferências em qualquer etapa do processo de elaboração de
projetos e estudos.
O exercício da atividade de representação de interesses não requer esse
tipo de atuação, com intromissões diretas e extemporâneas. Afinal, um
dos objetivos da regulamentação do lobby é estabelecer uma clara e
saudável distinção institucional entre o lobby e o exercício do cargo de
parlamentar ou das atribuições executivas. A propositura de emendas em
projetos legislativos, principalmente, deve continuar sendo prerrogativa
exclusiva dos parlamentares, para que não haja dúvidas quanto à
vigência do sistema representativo.
A regulamentação do lobby só tem sentido se reforçar a representação
política prevista na Constituição, que se dá exclusivamente por meio do
voto. Uma legislação sobre o tema deve garantir transparência ao
trabalho do lobista, permitindo o acompanhamento pela sociedade da
lisura e da legitimidade dos interesses defendidos por meio dessa
atividade. Afinal, o objetivo da regulamentação não é aumentar o poder
do lobby. É torná-lo mais visível e, assim, mais controlado.
EXTRAÍDADEROTA2014BLGOSPOT
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