Guilherme Fiuza: Epoca
Somos uma usina de preconceito, fermentado por gente que diz combater o preconceito
A judoca Rafaela Silva foi
vítima de racismo coletivo. No que conquistou a medalha de ouro na
Olimpíada do Rio, um sem-número de manifestações aplaudiu uma negra no
alto do pódio. A cor da pele se impôs ao mérito atlético. Isso é
preconceito racial – e não existe racismo a favor. Discriminação é
discriminação.
É isso o que está virando o Brasil, e o mundo: uma usina de preconceito,
fermentado por gente que diz combater o preconceito. Defender minorias
vulneráveis é obrigação de todos; usar o sofrimento de minorias
vulneráveis como etiqueta de bondade é sórdido.
A abertura dos Jogos Olímpicos 2016 foi um fenômeno estranho. Para
muitos foi bonito – e beleza é o que cada um achar que é –, mas houve
acima de tudo uma espécie de apoteose nervosa, como se a realização
estética só fosse possível em detrimento de alguém ou de algo. Um dos
responsáveis pelo espetáculo anunciou que “o Bolsonaro ia detestar”, ou
coisa parecida. É um pouco deprimente ver grandes artistas com fixação
em brucutus.
Aos poucos o cacoete ideológico dos espíritos foi dando as caras. Como
se o índio fosse celebrado para antagonizar o branco – e vai ficando
tudo com aquele jeitão de panfleto de Michael Moore: faço um desfile de
supostos deserdados pelos donos da supremacia ocidental e corro para a
galera. Subversão a 1,99. Caçar pokémons é mais sofisticado.
E eis que surge, perpassando os batuques, as cores vivas, a garota
Bündchen de Ipanema e a coleção de símbolos e fetiches das bossas novas e
velhas, um sentido unificador de todos esses sublimes samaritanos da
comiseração: Fora, Temer. O espetáculo redentor, a decantada apoteose da
brasilidade, tinha em sua corrente sanguínea – conforme mostraram as
reportagens, depoimentos e manifestações – um suposto movimento cívico
de libertação nacional, resumido pela referida palavra de ordem: Fora,
Temer. Essa é a revolução progressista.
Vale então um rápido exame da causa. Ok, fora, Temer. Mas por quê? Qual é
o grande veneno, a verdadeira podridão identificada pelos visionários
olímpicos nesse governo que assumiu o país outro dia? Infelizmente eles
ainda não tiveram tempo de ver. O pouco que o demoníaco governo Temer
fez até agora foi basicamente o seguinte: começar a fechar as múltiplas
bocas abertas pelo PT na máquina pública, nomeando para os postos-chaves
os melhores administradores do país. Um adendo: não são negros, nem
brancos, nem verdes, nem dourados – são administradores. Coisa estranha.
Então, qual é o babado? Não é possível que a apoteose olímpica seja
cliente das boquinhas petistas interditadas. Seria trágico demais, e
fica aqui combinado que não acreditaremos nisso. Portanto, caro leitor, o
babado é o seguinte: fora, Temer, é a narrativa mais fácil, mais
molezinha, para os aprendizes de Michael Moore. Eles são inteligentes,
sabem ver a floresta de crimes cometidos pela presidente afastada, mas é
muito mais garantido abrigar-se numa miragem rebelde, gritar contra um
golpe de Estado e pintar isso na bunda (não é metáfora, apenas a
descrição de cenas reais).
Veja como é fácil a vida de um gigolô da bondade: Bernie Sanders, o
ex-pré-candidato à Presidência dos Estados Unidos pelo Partido
Democrata, é um sujeito que vive de fazer comícios espalhando as
receitas da felicidade geral e demonizando os lobos maus do poder. O
melhor cenário para ele – e para sua legião de pregadores de vida fácil –
é perder todas as eleições que disputar, nunca precisar governar nada
(a vida real é um escândalo) e ficar para sempre no proselitismo
salvacionista – que não salva ninguém, mas encanta multidões. Claro que
Bernie Sanders resolveu surfar na apoteose olímpica e declarar que o
impeachment no Brasil é golpe.
A judoca Rafaela Silva, medalha de ouro número 1 do Brasil, sofreu
racismo coletivo dos bons samaritanos que só conseguem olhar para a cor
da sua pele, ocupados em dourar suas próprias estampas politicamente
corretas. O arrivista Sanders e a legião de soldadinhos de chumbo contra
o golpe de Estado cometeram estupro coletivo contra a bondade:
transformaram Dilma Rousseff e seu governo delinquente em reserva moral
da nação.
É ou não é um estupro?
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
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