Jornalista Andrade Junior

domingo, 21 de agosto de 2016

"Subversão olímpica a 1,99"

 Guilherme Fiuza: Epoca

Somos uma usina de preconceito, fermentado por gente que diz combater o preconceito

A judoca Rafaela Silva foi vítima de racismo coletivo. No que conquistou a medalha de ouro na Olimpíada do Rio, um sem-número de manifestações aplaudiu uma negra no alto do pódio. A cor da pele se impôs ao mérito atlético. Isso é preconceito racial – e não existe racismo a favor. Discriminação é discriminação.
É isso o que está virando o Brasil, e o mundo: uma usina de preconceito, fermentado por gente que diz combater o preconceito. Defender minorias vulneráveis é obrigação de todos; usar o sofrimento de minorias vulneráveis como etiqueta de bondade é sórdido.
A abertura dos Jogos Olímpicos 2016 foi um fenômeno estranho. Para muitos foi bonito – e beleza é o que cada um achar que é –, mas houve acima de tudo uma espécie de apoteose nervosa, como se a realização estética só fosse possível em detrimento de alguém ou de algo. Um dos responsáveis pelo espetáculo anunciou que “o Bolsonaro ia detestar”, ou coisa parecida. É um pouco deprimente ver grandes artistas com fixação em brucutus.
Aos poucos o cacoete ideológico dos espíritos foi dando as caras. Como se o índio fosse celebrado para antagonizar o branco – e vai ficando tudo com aquele jeitão de panfleto de Michael Moore: faço um desfile de supostos deserdados pelos donos da supremacia ocidental e corro para a galera. Subversão a 1,99. Caçar pokémons é mais sofisticado.
E eis que surge, perpassando os batuques, as cores vivas, a garota Bündchen de Ipanema e a coleção de símbolos e fetiches das bossas novas e velhas, um sentido unificador de todos esses sublimes samaritanos da comiseração: Fora, Temer. O espetáculo redentor, a decantada apoteose da brasilidade, tinha em sua corrente sanguínea – conforme mostraram as reportagens, depoimentos e manifestações – um suposto movimento cívico de libertação nacional, resumido pela referida palavra de ordem: Fora, Temer. Essa é a revolução progressista.
Vale então um rápido exame da causa. Ok, fora, Temer. Mas por quê? Qual é o grande veneno, a verdadeira podridão identificada pelos visionários olímpicos nesse governo que assumiu o país outro dia? Infelizmente eles ainda não tiveram tempo de ver. O pouco que o demoníaco governo Temer fez até agora foi basicamente o seguinte: começar a fechar as múltiplas bocas abertas pelo PT na máquina pública, nomeando para os postos-chaves os melhores administradores do país. Um adendo: não são negros, nem brancos, nem verdes, nem dourados – são administradores. Coisa estranha.
Então, qual é o babado? Não é possível que a apoteose olímpica seja cliente das boquinhas petistas interditadas. Seria trágico demais, e fica aqui combinado que não acreditaremos nisso. Portanto, caro leitor, o babado é o seguinte: fora, Temer, é a narrativa mais fácil, mais molezinha, para os aprendizes de Michael Moore. Eles são inteligentes, sabem ver a floresta de crimes cometidos pela presidente afastada, mas é muito mais garantido abrigar-se numa miragem rebelde, gritar contra um golpe de Estado e pintar isso na bunda (não é metáfora, apenas a descrição de cenas reais).
Veja como é fácil a vida de um gigolô da bondade: Bernie Sanders, o ex-pré-candidato à Presidência dos Estados Unidos pelo Partido Democrata, é um sujeito que vive de fazer comícios espalhando as receitas da felicidade geral e demonizando os lobos maus do poder. O melhor cenário para ele – e para sua legião de pregadores de vida fácil – é perder todas as eleições que disputar, nunca precisar governar nada (a vida real é um escândalo) e ficar para sempre no proselitismo salvacionista – que não salva ninguém, mas encanta multidões. Claro que Bernie Sanders resolveu surfar na apoteose olímpica e declarar que o impeachment no Brasil é golpe.
A judoca Rafaela Silva, medalha de ouro número 1 do Brasil, sofreu racismo coletivo dos bons samaritanos que só conseguem olhar para a cor da sua pele, ocupados em dourar suas próprias estampas politicamente corretas. O arrivista Sanders e a legião de soldadinhos de chumbo contra o golpe de Estado cometeram estupro coletivo contra a bondade: transformaram Dilma Rousseff e seu governo delinquente em reserva moral da nação.
É ou não é um estupro?
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT

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