ROBERTO MACEDO ESTADÃO
Tudo indica estar bem próxima a demissão de Dilma Rousseff como presidente da República. Impeachment é um anglicismo desnecessário e mesmo traduzido não é de entendimento geral. Demissão todo mundo sabe o que é.
Dilma fez por merecê-la pelos crimes de (ir)responsabilidade cometidos na sua calamitosa gestão das finanças públicas federais. Eles estão no cerne da imensa crise econômica e social que o País sofre. Quem a vê como inocente, ou se confunde quanto a esta questão, ou é porque não se ateve aos crimes de que é culpada, citados mais à frente. Há também a minoria que a inocenta por convicções ideológicas que obscurecem a visão do que se passou.
Também é fundamental entender o processo de demissão. É essencialmente político e seus juízes são os deputados federais, numa primeira instância, e os senadores, na etapa final, que se aproxima. A presença do presidente do STF no julgamento pelo Senado tem por objetivo apenas presidir às reuniões e garantir que sigam os trâmites legais. Mas não vota, e assim os juízes são políticos por natureza.
São 513 deputados federais e 81 senadores. Primeiro na Câmara e depois no Senado, para aprovar uma demissão presidencial é preciso arregimentar dois terços dos membros, 342 deputados e 54 senadores. Assim, a demissão não teria passado na Câmara se 172 deputados federais houvessem votado contra, não comparecessem à votação ou se abstivessem de votar. Mas só 146 deputados assim se comportaram. No Senado, na última votação sobre o assunto, só houve 21 votos favoráveis a Dilma, sem ausências nem abstenções, exceto a do presidente da Casa. E seriam necessários 28. Ou seja, Dilma não tem apoio político para se sustentar no cargo.
E mais: seus defensores alegam que o processo só começou na Câmara porque seu desafeto, o então presidente da Casa, Eduardo Cunha, forçou esse caminho. Mas tal iniciativa não teria prosperado se Dilma tivesse apoio político para interrompê-la. Cunha nunca teve força para arregimentar dois terços dos deputados só por sua vontade. No Senado, Renan Calheiros sempre se aliou a Dilma, mas abandonou-a quando viu que o quórum para a demissão estava assegurado.
Passando às razões, predominantes na avaliação do Congresso, elas são fortíssimas e a defesa de Dilma não conseguiu desmontá-las. São dois crimes. Seu governo tomou empréstimos de bancos estatais, como BB, Caixa e BNDES. Tais operações de crédito, financeiramente incestuosas, pois que realizadas numa mesma família institucional, são conhecidas como pedaladas. Outro crime foi abrir créditos orçamentários suplementares, ou autorizações de mais gastos, sem aprovação do Poder Legislativo, o que chamo de aceleradas fiscais.
Do lado dilmista, argumenta-se que tais ações foram meros atos administrativos. Mas a Lei Complementar 101, de Responsabilidade Fiscal, proíbe pedaladas (artigo 36) e a Constituição federal (artigo 167, V) veda explicitamente as aceleradas. A Constituição também diz (artigo 85, VI) que são crimes de responsabilidade os atos presidenciais atentatórios ao seu texto e, especialmente, contra a lei orçamentária, impactada pelas pedaladas e aceleradas. E mais: a Lei 1.079, que trata da demissão (artigo 10, 4), repete esse dispositivo de proteção à lei orçamentária. E também diz (artigo 11, 2) que as aceleradas fiscais são crimes “contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos”.
Tais ações tiveram origem no propósito dilmista de a qualquer custo se reeleger em 2014 e desembocaram na crise que dura até hoje, a qual também influenciou a posição do Congresso. Quem o assessora nas contas públicas é o Tribunal de Contas da União. E seus juízes, por unanimidade, condenaram as contas da presidente em 2014, pelas razões citadas, e ela continuou pedalando no seu mandato seguinte, em 2015.
Outro argumento contra Dilma não vi usado no debate. Em dezembro de 2015 a União pagou R$ 72,4 bilhões de suas pedaladas no BB, BNDES, Caixa e FGTS. Se não via nada de errado nesses débitos, por que pagá-los? Além disso, o debate sobre o assunto teria sido ainda mais esclarecedor se chamada como testemunha a repórter Leandra Peres, do jornal Valor Econômico. Ela ganhou recentemente um prêmio de jornalismo pela extensa matéria que publicou em 11/12/2015, intitulada O aviso foi dado: pedalar faz mal. Mostrou que desde meados de 2013 técnicos do Tesouro Nacional advertiam seus superiores sobre irregularidades fiscais que Dilma perpetrava (www.valor.com.br/pedaladas).
Mais recentemente, Dilma mostrou falta de sintonia com sua defesa, ao dizer que o PT precisa reconhecer todos os erros que cometeu em suas práticas de “... condução de todos os processos de uso de verbas públicas”.
Em síntese, ela se revelou uma estranha no ninho dos políticos e se mostrou irresponsável ao conduzir o governo e suas contas, no que infringiu as leis do País e lhe causou imensos danos. A propósito, no prefácio que escreveu em livro recente, o economista Edmar Bacha lembrou frase atribuída ao então governador paulista Orestes Quércia: “Quebrei o Banespa, mas elegi meu sucessor”. Bacha sugere que Dilma parafraseasse Quércia afirmando: “Quebrei o País, mas me reelegi presidente”. Caberia acrescentar: “E depois fui demitida”.
“Inequívoco golpe” contra si, conforme a carta que divulgou anteontem? Ora, não houve ruptura institucional que caracterizasse golpe. Tudo vem transcorrendo em respeito às leis brasileiras. Golpes mesmo vieram de Dilma, pois socou o País até jogá-lo nas cordas da crise. Lamentos quanto à demissão até cabem, mas porque ela veio atrasada, estendendo a agonia em que o Brasil se encontra, e sem uma punição mais dura.
Na mesma carta, de novo ela se diz inocente. Ficaria menos mal na História se anunciasse sua renúncia.
*Economista (UFMG, USP e Harvard), é consultor econômico e de ensino superior
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