por Marcos Troyjo Folha de São Paulo
Costuma-se dizer que a política externa faz os presidentes parecem mais "presidenciais".
Há uma óbvia e imediata correlação entre quadro político interno e força
da política exterior. Por vezes, o doméstico e o internacional andam
juntos. Há inúmeros casos, no entanto, em que ações externas são
empreendidas com o objetivo precípuo de desviar atenção de problemas
internos.
A Guerra das Malvinas serviu para que o êxito britânico no Atlântico Sul
fortalecesse o governo Thatcher. Mais adiante em seu mandato como
primeira-ministra, a Dama de Ferro valeu-se dos extraordinários
resultados de sua política liberalizante interna para revigorar o
prestígio britânico no mundo.
O resultado da "Reaganomics" nos anos 1980 não se cindiu a eventos
internos, como o fim da estagflação e a retomada do crescimento. A
renovada liderança econômica e tecnológico-militar dos EUA ajudou a
precipitar o colapso da União Soviética.
Nos anos Clinton, os EUA experimentaram a maior expansão econômica
interna desde os anos 1950. Sua política externa alcançou importantes
marcos, como o acordo de Dayton, que ajudou a distender o conflito na
ex-Iugoslávia. Contudo, muitos atribuem os momentos de maior
proatividade internacional daquele período a crises de imagem do titular
da Casa Branca.
Em 1998-99, Washington encontrava-se imantada pelo "caso Lewinsky",
pelas investigações do promotor independente Kenneth Starr e pela
abertura de um processo de impeachment contra o presidente. Clinton
aproveitou o ambiente de animosidade interna e aprofundou sua diplomacia
para o Kosovo e o Iraque.
Décadas antes, mesmo com o crescente escrutínio de imprensa e promotores
no caso Watergate, Nixon acelerava sua política de aproximação e
abertura com a China maoista.
No Brasil dos últimos 13 anos, temos exemplos de ambas as modalidades.
Amparados pela convicta fé de que haviam descoberto uma nova forma de
desenvolvimento econômico com inclusão social, Lula e seus assessores de
política externa pregaram ao mundo, in loco, as virtudes exportáveis de
um novo milagre brasileiro.
Nesse sentido, a política externa de Lula foi extremamente coerente.
Acreditávamos que nosso crescimento não estava necessariamente vinculado
ao boom global de commodities, à emergência da China ou aos benefícios
suplementares da estabilidade econômica cujas bases se construíram anos
antes.
O segredo residia em nossa "vontade política", no fortalecimento do
Estado na condução econômica e numa diplomacia que, portanto, deveria
mostrar ao mundo alternativas a consensos forjados em Washington ou em
Davos.
A política externa de Dilma bem que tentou seguir as pegadas de seu
antecessor. Porém a realidade econômica (crescimento minguante) no
período 2011-14 esvaziou as ações externas que buscavam realçar a
singularidade do modelo brasileiro de inclusão social.
O brilho de um Brasil ascendente foi empanado e, de certa forma, já se pode ver alguma inflexão ao longo de 2015.
O problema é que, juntamente com a perda de força do "modelo brasileiro"
como item do discurso da política externa, sobrevieram os pesados
escândalos de estatais brasileiras como a Petrobras. No topo disso tudo,
a disfuncionalidade da política interna brasileira atinge seu auge.
Com base nesse caótico contexto interno, Dilma foi trocar figurinhas com
os altos sacerdotes de Wall Street. Deixou para trás a bronca com a
bisbilhotagem das agências de inteligência e foi visitar Obama em Washington.
Ornamentou a presença durante a abertura da Assembleia-Geral da ONU com
bem-vindas referências ao comprometimento brasileiro com regimes
multilaterais de desenvolvimento sustentável.
Foi à Colômbia e
lá acenou com possibilidades de acordo que contrastam com sua inação –e
a de seu predecessor– em termos de tratados comerciais. Nas próximas
semanas, Suécia e Finlândia estão na agenda.
Esse renovado interesse na arena internacional traz a Dilma, portanto, um triplo desafio.
Por um lado, muitas das iniciativas em que o Brasil poderia ter
embarcado –acordos bi ou plurilaterais de comércio, maior interação com
os mercados da OCDE– já se encontram em processo avançado e, portanto, o
país chegaria "atrasado" às mesas negociadoras.
Além do que, o Brasil ainda não desarmou seu aparato interno de política
industrial protecionista, que constrange sua postura negociadora
externa.
Por outro lado, embora a cabeça aponte para atitudes diplomáticas mais
realistas e alinhadas com o interesse nacional, há pesados resquícios,
no Planalto e no Itamaraty, da diplomacia Sul-Sul como principal eixo de
nossa política externa.
E ainda, uma maior atenção da presidente à agenda externa é fácil (e
justificadamente) interpretada como tática de erguer uma "cortina de
fumaça" sobre seu pior momento interno.
Se uma guinada na política externa for apenas "cosmética", os próprios
parceiros em potencial podem até concordar com a encenação. Sabem que,
no limite, é na fraqueza e na vaidade que se extraem as maiores
vantagens.
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