André Petry - Veja
A degeneração da política chegou a tal ponto que declarações, negociações e acordões que deveriam provocar repulsa são feitos à luz do dia.
Nem Cícero, cuja prosa esplêndida ajudou a elevar uma língua de
alcoviteiros às glórias de um idioma épico, foi capaz de convencer os
romanos da pureza permanente de seus propósitos. Na sua disputa fatal
com Marco Antônio, mesmo Cícero usou seu latim para fazer o que todos os
políticos fazem desde os primórdios da civilização - esconder, enganar,
despistar e selar negociações, trocas e acordos que, examinados à luz
do dia, causam embaraço e constrangimento. Por isso, profissionais e
amadores concordam: a política é o território do cinismo. Mas, na semana
passada, exacerbando uma tendência que se agiganta ano após ano, a
política brasileira atingiu um patamar de descompostura capaz de
impressionar os bárbaros e escandalizar os romanos.
Em encontro com sindicalistas da CUT, a presidente Dilma Rousseff fez
seu discurso mais contundente contra a ameaça de impeachment e atacou
seus adversários chamando-os de "moralistas sem moral". Referia-se ao
fato de que, nas fileiras da oposição, há flor mas também há pântano, a
começar pela aliança sempre envergonhada com o presidente da Câmara dos
Deputados, Eduardo Cunha, acusado de manter quatro contas secretas na
Suíça. O raciocínio fazia sentido: querem limpar o governo com
faxineiros enlameados? Ocorre que, antes do discurso moralista, Dilma
deu uma demonstração daquela moral de conveniência que tanto desacredita
os políticos: autorizou seus ministros a negociar um acordo de salvação
mútua com o mesmo Eduardo Cunha das contas secretas na Suíça





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