editorial da Folha de São Paulo
Na semana que passou, o país assistiu atônito a uma depreciação abrupta
do valor de sua moeda. Flutuando agora ao redor dos R$ 4, as cotações do
dólar indicam que se esgota rapidamente o prazo para evitar um
cataclismo econômico de difícil reversão.
A intensidade da oscilação cambial traduz o descrédito, praticamente
unânime entre credores e investidores, quanto à capacidade do governo
Dilma Rousseff (PT) de oferecer uma estratégia consistente para estancar
a expansão acelerada da dívida pública.
Se não são debelados a tempo, movimentos de pânico como o atual se
convertem em profecias autorrealizáveis –e o círculo vicioso começa
justamente quando o mercado, incerto quanto à solvência futura do
Tesouro, busca segurança na moeda norte-americana.
Impulsionada por essa demanda, a alta do dólar encarece os importados,
pressiona a inflação e torna mais remota a queda dos juros do Banco
Central. Ao mesmo tempo, disparam as taxas cobradas nos empréstimos de
prazo mais longo, cruciais para o financiamento do governo e do setor
privado.
Uma trapalhada grosseira da administração petista foi o que disparou
tais alarmes financeiros. No final de agosto, foi enviado ao Congresso
um projeto de Orçamento para 2016 em que as receitas esperadas eram
insuficientes para cobrir as despesas com pessoal, programas sociais,
custeio e obras.
Tamanha sandice custou, dias depois, a perda do certificado de
investimento seguro conferido ao país por uma das principais agências de
classificação de risco. A passo de tartaruga, o Planalto procura agora
restaurar a peça orçamentária –mas os danos a serem sanados mudaram de
patamar.
As contas dos especialistas já dão como certa uma escalada da dívida
pública neste ano, de 59% para o equivalente a 67% do Produto Interno
Bruto. Se nada for feito, essa proporção, que já é a maior entre as
economias emergentes, chegará aos 80% até 2018.
Com tal trajetória, serão inevitáveis novos rebaixamentos na nota de
crédito do governo e dificuldades crescentes para a venda dos títulos da
dívida federal –fenômeno que já começa a ser observado.
Juros internos em elevação travam o crédito para os investimentos das
empresas e o consumo das famílias, levando ainda ao aumento da
inadimplência. Já a depreciação cambial traz uma ameaça mais imediata às
empresas com dívida em moeda estrangeira.
Um caso crítico é o da Petrobras, nada menos que a maior empresa do país
em patrimônio. Os passivos da estatal já foram inflados em R$ 100
bilhões desde o final de junho apenas devido à derrocada do real. Não
por acaso, os papéis de sua dívida negociados na praça já incorporam o
risco de insolvência.
Mantido tal quadro, não é apenas uma recessão mais profunda e prolongada
que se avizinha. À medida que se esvaem as condições de endividamento,
resta ao governo recorrer crescentemente à inflação para corroer o valor
de suas despesas e fechar as contas orçamentárias. É o que ocorre hoje
na Argentina e na Venezuela.
O mundo político, deploravelmente, não dá sinais de perceber a rapidez
da degradação do quadro econômico. Alheia ao que ocorre no mundo real,
na ilha da fantasia que é Brasília, a presidente se ocupa de negociações
com o baixo clero do PMDB em um esforço para sustar um processo de
impeachment.
Na ausência de ajuda do Planalto durante a semana tensa, o Banco Central
se viu obrigado a atuar. O presidente da instituição, Alexandre
Tombini, anunciou a disposição de vender dólares das reservas oficiais,
se necessário, e obteve algum recuo das cotações.
Com a ajuda adicional de uma intervenção do Tesouro, que recomprou
títulos de investidores em estado de quase desespero, chegou-se à
sexta-feira (25) com menos nervosismo. A melhora será efêmera,
entretanto, se não houver ações enérgicas.
Fazer caminhar no Congresso o ajuste emergencial, baseado na proposta de
emenda constitucional que ressuscita a CPMF, é apenas um primeiro e
difícil passo. Afinal, o superavit primário (receitas menos despesas,
excluídos gastos com juros) almejado, de 0,7% do PIB, ainda será
insuficiente para estabilizar a dívida.
A despeito da gravidade do momento, um fator fundamental diferencia a
crise atual de suas antecessoras, todas causadas ou reforçadas pela
histórica escassez de moeda estrangeira. Desta vez, o país dispõe de
reservas volumosas, de US$ 370 bilhões, e não enfrenta maiores
dificuldades nas transações com o resto do mundo.
Descarta-se, assim, a necessidade de ajuda financeira de organismos
internacionais, como o Fundo Monetário Internacional, tão comum no
passado. As fragilidades, por graves que sejam, são domésticas, e a
saída da crise depende de providências ao alcance do governo e do
Congresso.
extraídaderota2014blogspot
0 comments:
Postar um comentário