Jornalista Andrade Junior

domingo, 29 de junho de 2014

Sobre mordidas, beijos e surubas


#VAMOSMUDARBRASILIA
Além da mordida de Suárez, que dizer das dentadas que os políticos dão uns nos outros?

RUTH DE AQUINO 
As maiores zebras da Copa até agora foram protagonizadas por um herói isolado e por milhões de vilões. O herói era o uruguaio Suárez, ou “Luisito” para os íntimos. Ao abocanhar com seus dentes protuberantes o ombro do italiano Chiellini, Suárez decepcionou torcedores e patrocinadores – e foi suspenso. Logo no início da Copa, emocionou o mundo ao vencer uma contusão séria, fazer um gol decisivo contra a Inglaterra e beijar seu fisioterapeuta. Por que o ídolo Celeste vira vampiro em plena luz do dia e, assim, renuncia a si próprio, num suicídio moral diante das câmeras?
Descobrimos que Suárez é um mordedor compulsivo, que se descontrola ao ser contrariado ou provocado – e usa em campo sua arma mais evidente. Nos últimos quatro anos, meteu os dentes no pescoço de um rival e no braço de outro. Nem quero saber como se comporta em casa ou com a mulher. Em sua defesa, o capitão uruguaio Lugano disse que “futebol é paixão e contato”. Paixão e contato deveriam significar algo bem diferente. O “beijinho no ombro” do adversário rendeu ao craque suspensão por nove jogos oficiais e multa equivalente a R$ 247 mil. É uma tragédia pessoal.

Psicólogos do esporte afirmam que a dentada de Suárez revela alguém que não sabe lidar com a frustração. A mordida reincidente vai além do carrinho, da cotovelada, da rasteira e até da cabeçada – todas elas manifestações desleais e antiesportivas. Foi a terceira agressão primitiva dele. O close em vídeo é chocante. Mesmo assim, sou contra as manchetes sensacionalistas de “canibal”. Está claro que esse rapaz tem um problema e deve se tratar.

A outra zebra somos nós. Os vilões, no período que precedeu a Copa, eram o povo brasileiro. Houve tantos episódios de crueldade bárbara, tantos assassinatos com requintes de violência, domésticos ou urbanos, tantos protestos incendiários e desumanos, que todos perguntávamos, aturdidos: onde está o homem cordial do Brasil? Ele reapareceu com força total na primeira fase deste Mundial.

Os turistas estrangeiros elogiaram as belezas naturais do Brasil e foram conquistados por algo mais: o povo brasileiro, de todas as cores e todas as classes. “Fantastic people”, alegre, generoso, gentil, caloroso e atencioso – foi o que disseram de nós. Claro que os gringos não conseguem entender que o país decrete feriados mesmo sem jogo do Brasil, para evitar engarrafamentos. Um estudante de engenharia colombiano, Mario Rojas, achou ótimo: “O ambiente é maravilhoso, porque o país inteiro para na hora dos jogos”.

Especialmente no Rio, onde havia medo de insegurança, a Fan Fest na Praia de Copacabana tem sido um sucesso, um Carnaval fora de época, com azaração e beijaços entre várias nacionalidades. O sol carioca ajuda. O maior artilheiro da Copa é o povo. “As pessoas são extraordinárias e ajudam muito os visitantes”, afirmou o jornalista colombiano Jorge Ceballos. De vilões, viramos heróis...

Se somos anfitriões desse naipe, fica claro que a mordida raivosa das ruas pode ser evitada se nossa verdadeira “classe dominante” – a elite política, a burguesia do Planalto – respeitar os direitos básicos escritos na Constituição. A maioria dos brasileiros condena a violência contra o patrimônio público e privado, contra jornalistas e contra os trabalhadores. A maioria dos brasileiros também se sente desrespeitada no dia a dia.

Com a trégua do Mundial, ficou óbvio o que já sabíamos: o brasileiro prefere festa a protestos, prefere beijos a mordidas. Diante desse traço da personalidade verde-amarela, nossa classe política deveria ser mais inteligente e responsável, se não for pedir muito. Os governantes não deveriam abusar da cordialidade brasileira. Podemos ser gentis, mas não servis. Festeiros, mas não alienados. Todas as pesquisas mostram que o brasileiro não é um povo deprimido. Recuperar a confiança e o otimismo no Brasil depende muito da classe política e de sua influência no mundo real, fora da Copa.

O que esperar, se muitos deles se mordem uns aos outros com dentes gananciosos, cheirando dinheiro como a seleção de Gana? As traições entre partidos e dentro de partidos se avolumam. O objetivo é levar vantagem nessa disputa onde tudo é permitido: cotoveladas, carrinhos por trás, socos e simulações. Não há coerência ideológica nem programas partidários claros. Só marketing.

Depois da abstenção e do voto nulo, suspeito que o voto útil seja a grande estrela da eleição de 2014, porque o eleitorado sente hoje mais rejeição que paixão. O troca-troca afobado entre políticos, por interesses eleitoreiros, tem sido apelidado de suruba eleitoral. Acho uma injustiça com o termo suruba.

0 comments:

Postar um comentário

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More