Reinaldo Azevedo,
A nobreza
europeia gosta de paisagens e países exóticos, uma herança, vá lá, cultural das
duas grandes ondas colonialistas, a de século 16, que se fixou nas Américas e
nas costas africanas, e a do século 19, que buscou o interior da África, com as
potências fazendo a partilha formal das terras ignotas. O que está fora da
Europa é o “outro”. Antes, imaginava-se que aqueles mundos estranhos pudessem
ser civilizados; hoje em dia, com o triunfo do pensamento politicamente
conveniente, que chamam, impropriamente, de “politicamente correto”, há um
troço que eu chamaria de “tolerância antropológica”. Os europeus se divertem
com os hábitos dos exóticos. Não pensem que isso é só virtude. O pai de Harry,
por exemplo, o príncipe Charles, é um ecologista convicto. Está entre aqueles
que acham que o nosso papel é conservar macacos e florestas, deixando a
tecnologia para os europeus…
Mas não
vou me perder no atalho. Não sou do tipo que se envergonha de ser brasileiro.
Nem me orgulho. Indivíduos são indivíduos em qualquer parte. Há coisas no
Brasil que adoro. Há outras que abomino. Mas também as haveria de um lado ou de
outro se meu país fosse a Suécia. A cada vez, no entanto, que vejo autoridades
brasileiras se orgulhando da nossa miséria, da nossa degradação, da nossa
desgraça, sinto revirar o estômago de puro constrangimento. E foi precisamente
essa a sensação que tive ao ler as várias reportagens sobre a visita de Harry à
Cracolândia, em São Paulo, devidamente escoltado pelo prefeito Fernando Haddad,
com seu ar de deslumbramento servil, depois de ter esperado pelo príncipe por
longos 45 minutos.
O rapaz
foi levado para conhecer o programa “Braços Aberto”. Ninguém poderia ter dado
melhor definição do programa do que um de seus formuladores, o secretário de
Segurança Urbana, Roberto Porto, um dos queridinhos de certa imprensa
descolada. Ele resumiu assim o espírito da visita do príncipe à Cracolândia:
“Pelo contato que tive, que foi limitado, ele gostou do que viu. Ele quis saber
a lógica de se ter um local monitorado, com as pessoas continuando a venda de
crack”. Ele é promotor. Deve conhecer o peso das palavras. A venda de uma
substância ilegal se chama “tráfico”; se tal substância é droga, é
“narcotráfico”. Dr. Porto diz que o nobre inglês gostou de saber que há um
pedaço no Brasil em que não se respeitam a Constituição e o Código Penal.
Sempre
afirmei neste blog que o programa “Braços Abertos” era, na prática, uma ação
coordenada de incentivo ao consumo de drogas. Talvez Harry tenha ficado mais
espantado ainda ao saber que a Prefeitura garante o fluxo de dinheiro a uns 400
e poucos viciados, aos quais oferece moradia gratuita — em nome da dignidade, é
claro! Quando foi informado, se é que foi, que os dependentes não precisam se
submeter a nenhuma forma de tratamento, deve ter pensado: “Como são estranhos
esses brasileiros! Na Inglaterra, nós recuamos até das liberalidades que haviam
sido criadas para o consumo de maconha”. Ao olhar a paisagem que o cercava,
deve ter dado graças aos Céus pelo vigilante trabalho dos conservadores de seu
país.
Sim,
senhores! Antes da visita do príncipe, a Cracolândia passou por uma rápida
maquiagem, com lavagem das ruas, coleta de lixo, retirada do entulho que os
zumbis vão largando por ali. Assim como deveríamos ter Copa o ano inteiro para
que as autoridades sejam um tantinho menos incompetentes, a realiza europeia
poderia nos visitar amiúde. As ruas seriam mais limpas, eu acho. Nem que fosse
apenas para inglês ver.
O
príncipe, o prefeito, seus auxiliares e os outros deslumbrados se foram — antes
da hora prevista porque teve início um tumulto. Meia hora depois, os
dependentes retornavam para o tal “fluxo”, aquele perambular contínuo marcado
por consumo, tráfico, escambo, degradação pessoal, desordem pública… Um dos
viciados sentenciou, informa o Estadão,
pouco antes de ameaçar a reportagem com uma pedrada: “Venha quem vier, mas a
Cracolândia sempre vai ser nossa”.
Eis o
programa de combate ao crack que Haddad prometeu implementar na campanha
eleitoral de 2012. Não sei quantos anos vai levar para a cidade se recuperar
das consequências trágicas da gestão deste senhor. Para encerrar: em qualquer
democracia do mundo, o Ministério Público — ou seu homólogo — levaria o
prefeito Fernando Haddad e seu secretário de Segurança Urbana aos tribunais.
Basta ler a Constituição. Basta ler o Código Penal. Basta ler a lei antidrogas.
Quem responde por essa tragédia moral? Em primeiro lugar, os que a promovem. Em
segundo lugar, os que, com o seu voto, puseram Haddad onde ele está.
FONTE - diplomatizzando
0 comments:
Postar um comentário