#vamosmudarbrasilia
Por Guy Franco
Duas semanas de Brasil e meu horário ainda está
desregulado. Meu estômago também está desregulado. Ontem me levaram a um
bloco de maracatu num inferninho. Bebemos caipirinhas demais. Alguns
amigos ainda estão por aqui no quarto, batucando e bebendo. O que não
contam, antes de vir para o Brasil, é que aqui a festa não acaba nunca.
As
mulheres são tudo o que se diz delas: morenas, com curvas, chapinhas e
obscenamente bonitas. E não têm qualquer pudor de chegar nos homens. São
o que aqui se chama de desencanadas. Têm a consciência menos pesada do que as europeias.
Dos
homens, nem sei o que dizer; quase não reparei neles. Dos que me foram
apresentados, percebi que a maioria é fanho, com voz de ganso - pode ser
o sotaque. Muitos deles usam uma barba de Conchita Wurst. A versão
feminina usa vestido florido e sapato de boneca. Uma dessas, desde a
hora que acordou, não para de falar comigo.
Brasileiros
têm horror ao silêncio. Tudo precisa ser comentado; do seu sapato ao
seu topete, da umidade relativa do ar ao jogo do Irã, e quase não tem um
lugar onde não existe alguém falando, muito menos espaço para ficar
sozinho. Ainda procuro descobrir as regras de convívio. Uma que logo
percebi é que em grupo todo mundo pode falar ao mesmo tempo. Aquele que
for mais rápido pode cortar o assunto do outro. Quanto a isso, parece
que não há nenhum problema, ninguém se irrita. Mas o assunto tampouco é
retomado.
Uma diversão
tipicamente brasileira é puxar papo na fila, no bar, no mictório. Em
poucos minutos é possível saber da vida inteira de um desconhecido que
mija do seu lado. Você entra no banheiro público e sai de lá com um
amigo novo. É uma intimidade que, para quem não está acostumado, pode
passar por deseducada. Disse uma tiazinha do hostel que essa invasão da
intimidade explica as altas taxas de violência - o que faz algum
sentido. Roubos e furtos não faltam por aqui. Não encontrei ninguém que
não tenha tido o celular roubado ou furtado pelo menos uma vez nos
últimos anos.
No momento só
se fala de futebol, mas alguns parecem um pouco apreensivos com as
eleições daqui a alguns meses. Dilma, Sarney, Luciano Huck, muitos
invocam esses nomes na tevê. O que será Cátia Fonseca?
O
país é uma festa sem fim, rico de diversões. Todos os lugares por onde
passei, vi ruas pintadas de verde e amarelo, bandeirinhas verdes e
amarelas, poodles e crianças pintados de verde e amarelo.
A cerveja é fraca, aguada. Mas o calor ajuda.
Os
fracos da cabeça, além de bêbados, põem o som do carro no último volume
- olha aí a invasão da privacidade de que eu estava falando. Funk
carioca institucionalizou-se como música oficial. O funk domina as ruas.
É um poder paralelo. Já os bêbados são os mesmos de todos os lugares.
Uma
de minhas diversões preferidas é observar como brasileiros reagem
quando criticamos alguma coisa que não funciona direito aqui. Eles ficam
apreensivos em saber o que os estrangeiros pensam deles. Adoram se
sentir o centro das atenções. A Copa, nesse sentido, cobriu o país de
júbilo. Tornou real o sonho brasileiro de ser o centro das atenções. A
maneira mais rápida de irritar um brasileiro, segundo uma mendiga que
conheci, é falar mal do país - mas eles mesmos são ótimos nisso.
As
capitais combinam a arquitetura antiga com a moderna. Mas os prédios
mais antigos vão todos morrendo. No lugar há estacionamentos, prédios
com varandas gourmet e templos de igrejas pentecostais. Algumas estações
de metrô parecem shopping center. Prédios de luxo, como as favelas, são
um show de horror à parte. Mesmo que seja um país com tanta
desigualdade, pobres e ricos dividem o mau gosto igualmente.
Você ficaria horrorizada com as casas daqui, carentes de jardins, de livros, de pôsteres.
O
que não quer dizer que brasileiros não sejam apreciadores de arte.
Longe disso. Voltava para o hostel outro dia quando um homem me
perguntou se eu gostava de teatro. Depois, em mais duas ocasiões, outros
homens me perguntaram a mesma coisa. Achei curioso. Brasileiros devem
gostar muito de teatro, e de maracatu e de poesia.
Estou
voltando com uma mala só de bugigangas. Paçocas, pedras, Fulecos,
araras de ametista, tucanos entalhados em madeira, livros de Jorge
Amado, CD da Claudia Leitte - a Beyoncé deles -, biquínis, palavras
terminadas em inho e saudade, bastante saudade.
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