Aileda
de Mattos Oliveira
A palavra ‘miséria’ era empregada por Cícero,*
no sentido de penúria, de carência material, e por Salústio,**
no de fatalidade, má sorte. Não há referência à miséria moral.
Nesta acepção, o Brasil é inovador e imbatível.
Dizem que as guerras trazem penúria à população.
No Brasil, decantadamente pacífico, por que há miséria, se é tão propalada a
vasta riqueza que dormita sob o seu solo? Por que a extraordinária arrecadação
nunca reverte em benefício dos contribuintes, responsáveis por estarem sempre
abundantes os cofres da nação?
A resposta, encontramos lá nos idos de 1662,
quando ia alta a corrupção na província do Maranhão, já naquela época, em
decadência. Começava a existir, e já estava apodrecendo. A corrupção! Sempre
ela! Eis a miséria endêmica brasileira!
Esses exemplares da miséria de outros séculos, que
jazem no limbo da História, terão, mais tarde, companhia de seus similares,
surgidos do lamaçal moral em que permaneceu o país, com lapsos temporais de
honestidade.
A miséria moral faz a festa dos governantes
famintos do dinheiro público que põem no socavão da miséria material os que
retiram do bolso o produto de seu trabalho para sustentar a miserável canalha
oficial.
Olavo Bilac, poeta e orador parlamentar, dizia que
“a resignação é uma virtude (fresca virtude!) praticada em larga escala”.***
Falava a respeito de outra miséria nacional: a acomodação alienante, o ‘dar de
ombros’ a tudo que tem de ser analisado, refletido, porque o brasileiro não é
pragmático por opção, mas por obtusidade.
Se a miséria do comodismo do povo é histórica, a
miserável locupletação governamental também provém de um passado de interesses
imediatos e particulares, e permanecem idênticos, como se fossem resultantes de
um processo de genética cultural.
Por ser uma virtude negativa, a miséria da
resignação é bem-vinda aos governantes, que fazem adiar as soluções dos
problemas sociais e econômicos, sempre, para um futuro, além do horizonte.
Faz parte do repetitivo discurso das autoridades a
miserável mentira de falta de verbas para tudo o que se refere ao
desenvolvimento humano (educação, saúde, oportunidade de trabalho), quando
somos os que pagam os mais altos tributos entre outros povos. Se não fosse a
miserável rapina a norma de conduta dos dirigentes, poderíamos estar num
patamar invejável de crescimento em todas as áreas de atividades.
Resignar-se é aceitar o estágio de degradação a
que desejam submeter o povo, e que se inicia na base da pirâmide social e se
eleva até a linha divisória onde passam a ocupar os ‘eleitos’, os suseranos,
sujeitando a sociedade à miséria da estagnação. Aos miseráveis governantes
cabem, unicamente, administrar os casuísmos que lhes tragam vantagens políticas
e financeiras.
Essas misérias governamentais ganham vigor no fato
de se beneficiarem com o não querer progredir dos brasileiros, que é a
miséria da inércia, da abúlica apatia, da aceitação tácita dos desmandos dos
que detêm o poder. Beneficiam-se estes da não consciência de cidadania, fato
apontado por Caio Prado Júnior (comunista) e que levou o historiador francês
Louis Couty afirmar: “O Brasil não tem povo”.****
O Brasil é o vazadouro de miseráveis, nativos e de
outras origens. É o centro da miserável venda de caráter. É o porto seguro dos
miseráveis criminosos, de cá e de lá. É onde a miséria da impunidade abre as
portas à promiscuidade, à consagração do assassino e do impostor, enquanto
trancadas permanecem pela miséria da injustiça aos que defenderam esta rica,
mas tão pobre e miserável nação. É onde a meritocracia é sufocada pela
miserável mediocridade, em favor de miseráveis interesses subalternos. É onde a
miserável inveja tenta denegrir aqueles que se destacam pelos estudos e pela
oposição a todas as misérias nacionais.
Tudo isso, porque é íntimo o manuseio do erário
pelas ratazanas do poder, como comprovam as palavras de Collor, quando da sua
miserável gestão: “Nada se compara à Presidência de um país. Você pode fazer
o que quer, da maneira que quiser. Quando não está satisfeito com alguma coisa
pode mandar fazer de novo. Nada é igual a isso.”*****
E que se dane o dinheiro do contribuinte, enquanto
governos miseráveis como os que já passaram e o da elite petista ocuparem o
poder!
*Orador e
senador romano (103.aC-43 a.C.).
** Escritor e poeta romano,
contemporâneo de Cícero.
***’Hábitos Parlamentares’. Obras
Completas, 1996, p. 408.
****Formação do Brasil contemporâneo. 20. ed., p.
281.
*****VEJA, 23/12/1992, p. 23.
(*Dr.ª
em Língua Portuguesa e membro da Academia Brasileira de Defesa. A opinião expressa é particular da autora).
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