Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

ABANAR FANTASMAS

Os nossos abanadores de fantasmas, que não conseguem distingui-los das verdadeiras manifestações espirituais, nunca ultrapassarão o plano de uma existência ectoplasmática.

Contentar-se apenas com o que foi aprendido ou só conseguir aprender aquilo que exige sua familiar instituição de ensino, não sabendo se desviar, em algum momento, do seu programa de estudos, mesmo diante da mais palpitante surpresa intelectual, é mais do que envelhecer com o próprio aprendizado. É abanar fantasmas na impossibilidade de conviver com pensamentos mais vivos. E a única tarefa que os nossos escribas, ao lado dos nossos políticos, conhecem é justamente a de abanar fantasmas. Ou seja: tornar poderosamente resistentes seus preconceitos, por meio de ideias velhas requentadas, em face das exigências inesperadas da realidade.

Os abanadores de fantasmas dispõem de um horizonte um tanto impermeável às mudanças, já que não conseguem escapar, sem grandes transtornos e perturbações, da viciada rotina que lhes serve de especial oxigênio. Por isso a pauta dos seus gostos e vivências, ao se moldar por semelhante rotina, não poderia deixar de reproduzir, continuamente, a atmosfera que lhes é compatível, principalmente quando escrevem.

Rejeitando, por princípio, o mínimo chamamento espiritual, não lhes dói a falta de uma certa medida de valor, quer ética, quer estética, quer ligada ao sagrado, e essa ausência de critérios se converte, por contradição, num irrecusável bálsamo para quem comumente se nega a pensar ou repensar as coisas com as quais e entre as quais vive. Dotados da vocação irresistível para aumentar a cauda de um rebanho de qualquer ordem, os seus participantes se veem naturalmente compelidos a mantê-lo inalterável. Apoiar-se, portanto, em maiorias cada vez mais anônimas, bem como avessas às grandes vozes do espírito, constitui seu modelo de excelência e sua exclusiva fonte de verdade e de vida.

Enquanto um Fernando Pessoa, com seu cortejo de heterônimos, porém transcendendo-os a todos, morreu aos 47 anos, com idêntica idade o máximo a que muitos deles chegam é a biógrafos de notabilidades do teatro político ou das altas esferas sociais. Mal alimentando a pobre vida com as sobras dos que a viveram de fato – embora na busca inglória de uma impossível felicidade – os nossos abanadores de fantasmas, que não conseguem distingui-los das verdadeiras manifestações espirituais, nunca ultrapassarão o plano de uma existência ectoplasmática. E, na incapacidade, também, de distinguir-se das sombras de seus corpos, terminam como abanadores de si mesmos...


Ângelo Monteiro é poeta e ensaísta.

Publicado no Jornal do Commercio.


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