editorial de O Globo
Mais uma vez, o Supremo expôs a fratura em que “garantistas” como Gilmar
Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski assumiram posição
conservadora na defesa do mínimo possível de mudanças na blindagem do
foro. Registre-se a defecção no grupo de Marco Aurélio Mello. E o mínimo
possível era a fórmula que havia sido proposta por Alexandre de Moraes
de fixar o marco zero na diplomação do parlamentar, para cobrir todos os
crimes ocorridos a partir daí com o manto do foro.
Dias Toffoli, diante da derrota prevista para os defensores do
privilégio, aderiu à ideia básica de Moraes, sendo seguido por
Lewandowski e Gilmar Mendes, com nuances. Perderam por 7 a 4.
O pano de fundo dos debates é o terror petrificante que toma conta dos
políticos ao se imaginarem nas mãos de um juiz de primeira instância —
se for Moro ou Bretas, muito pior —, e ainda mais na vigência da
jurisprudência do STF da prisão decretada na segunda instância. Assunto
incandescente que vagueia pela agenda da Corte. Que se tornou mais
radioativo com a prisão do ex-presidente Lula, demonstração prática, ao
vivo e em cores, de que a Justiça no Brasil pode ser mesmo republicana.
Na essência dos embates sobre o alcance do foro privilegiado está, na
verdade, a redução da larga margem de impunidade que beneficia ricos e
poderosos. Por isso, conhecido estudo da faculdade de Direito da
Fundação Getulio Vargas voltou a ser alvejado nos debates. Dias Toffoli,
Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes dispararam contra o trabalho, que
revelou índices de prescrições no Supremo e de condenações, refletindo
uma baixa eficácia da Corte em ações penais, como são as de corrupção.
Ei-los: apenas 0,61% dos réus são condenados de forma definitiva e
ínfimos 5% dos processos são de fato julgados, porque muitos crimes
prescrevem, devido à demora na tramitação. Eis por que o foro
privilegiado é tão desejado.
Último dos onze votos, Gilmar Mendes, que defendia a manutenção do foro,
fez extensa crítica à Justiça criminal de primeira instância — para
onde irá boa parte dos processos hoje do Supremo —, aos juízes e
promotores como categorias, mas não reverteu votos. E, na essência,
ficou com a restrição do foro de deputados e senadores, compondo a
unanimidade em favor da tese central de Barroso. O oportuno julgamento
surgiu de proposta feita por este ministro a partir do caso exemplar de
um ex-prefeito de Cabo Frio que subiu e desceu na gangorra dos foros,
enquanto trocava de cargos (de prefeito para deputado federal), e, com
isso, o tempo o ajudou a fugir da Justiça. Esta também é uma questão a
ser enfrentada.
Não se pode esperar que novelo tão intrincado como o do foro especial,
de que se beneficiam mais de 50 mil autoridades, outra invenção
brasileira, possa ser desenrolado apenas com o acórdão deste julgamento.
Mas se ter dado início ao desembaraço do emaranhado já é um progresso.
extraídaderota2014blogspot
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