J.R. Guzzo:Publicado na edição impressa de VEJA
Na verdade, como já ficou claro há um bom tempo, não se poderia mesmo esperar algo diferente do que está acontecendo. É simples. O Brasil de hoje é governado como uma usina de reprocessar lixo. Entra lixo de um lado, sai lixo do outro. O que mais poderia sair? Entre a porta de entrada, que é aberta nas eleições, e a porta de saída, quando se muda de governo, o produto fica com outra aparência, altera o nome, recebe nova embalagem ─ mas continua sendo lixo. Reprocessou-se o governo do ex-presidente Lula; deu no governo Dilma Rousseff; reprocessou-se o governo Dilma; deu no governo Michel Temer. Não houve, de 2003 para cá, troca no material processado pela usina. Não houve alternância de poder, e isso inclui o finado governo Temer. Continuou igual, nos três, a compostagem de políticos “do ramo”, empreiteiras de obras públicas, escroques de todas as especialidades, fornecedores do governo, parasitas ideológicos, empresários declarados “campeões nacionais” por Lula, por Dilma e pelos cofres do BNDES. É esse baixo mundo que governa o Brasil.
Michel Temer, na verdade, faz parte integral da herança que Lula deixou para os brasileiros. Tanto quanto Dilma Rousseff, é pura criação do ex-presidente ─ só chegou lá porque o PT o colocou na Vice-Presidência. Ou alguém acha que Temer foi incluído como vice na chapa petista contra a vontade de Lula? Ninguém votou nele, não se cansam de dizer desde que Temer assumiu o cargo, no impeachment de Dilma. Com certeza: quem fez a escolha foi Lula, ninguém mais. Foi dele o único voto que Temer teve ─ e o único de que precisava. É tudo parte, no fim das contas, da “política de alianças”. A respeito do assunto, ainda outro dia tivemos direito a uma aula de ciência política dada pelo próprio ex-presidente da República, durante seu interrogatório pelo juiz Sérgio Moro. Lula explicou ao juiz, e a todos nós, que é impossível governar sem “aliados”. E o que isso tem a ver com a corrupção em massa durante seu governo? Tudo a ver, segundo o que deu para entender: você precisa dar cargos públicos aos partidos que apoiam o governo, e aí eles vão roubar tudo o que virem pela frente. No seu caso, o PMDB foi a principal aliança que fez ─ na verdade, o alicerce da coisa toda, uma obra-prima de “engenharia política” que seria depois completada com a aquisição do PP, do PR e de outras gangues partidárias.
Com o PMDB veio Michel Temer ─ mais Eduardo Cunha, Renan Calheiros, José Sarney e família, Romero Jucá, Eliseu Padilha, Eunício Oliveira, Geddel Vieira Lima, e daí para pior. Hoje são odiados nos discursos de Lula e do PT. Ontem eram os melhores amigos e, principalmente, sócios. A isso aí vieram juntar-se os empresários “nacionalistas” de Lula e Dilma: os Joesley e Wesley Batista, que ocupam agora o centro do palco, os Marcelo Odebrecht, os Eike Batista e tantos outros capitães de indústria que já foram, continuam sendo e em breve serão inquilinos do sistema penitenciário nacional. Juntos construíram a calamidade moral, econômica e administrativa que está aí. E com certeza vão tentar, de algum jeito, beneficiar-se da gosma constitucional hoje formada em torno do pós-Temer.
Essa gente toda, com Lula e o PT à frente e bilhões de reais atrás, nos deixou o seguinte país: um dos maiores empresários do Brasil, e também um dos mais investigados por crimes cometidos em suas empresas, entra na residência presidencial e, numa ação nos limites da bandidagem, grava pessoalmente uma conversa do pior nível com o presidente. Com isso, ao menos até agora, protege-se da cadeia, ganha uma soma não calculada de milhões e vira um herói da Rede Globo, no papel de “justiceiro”. O ex-presidente Lula oscila entre duas possibilidades: ir para o xadrez ou para o Palácio do Planalto. Sua sucessora é trazida, por denúncia de pessoas íntimas, para o centro do lodaçal. Seu adversário nas últimas eleições, Aécio Neves, recebe malas de dinheiro vivo desses Joesley e Wesley que atiram para todo lado. O governo do Brasil, e o conjunto da vida política, passou a depender inteiramente de delegados de polícia, procuradores públicos e juízes criminais. O voto popular nunca valeu tão pouco: o político eleito talvez esteja no próximo camburão da Polícia Federal. Os sucessores mais diretos de Temer podem estar em breve, eles próprios, a caminho do pelotão de fuzilamento; fazem parte da caçamba de detritos que há na política brasileira de hoje. Um país assim não pode funcionar ─ não o tempo inteiro, como tem sido nos últimos anos. Trata-se de uma realidade que está evidente há mais de três anos, quando a Operação Lava Jato passou a enterrar o Brasil Velho. Era um país que, enfim, começava a agonizar: pela primeira vez na história, seus donos tinham encontrado pela frente a aplicação da Justiça ─ ou, mais exatamente, o princípio de que a lei tem de valer por igual para todos. Não acreditaram, e tentam não acreditar até hoje, que aquilo tudo estava mesmo acontecendo. O único Brasil possível, para eles, é o Brasil que tem como única função colocar a máquina pública a serviço de seus bolsos. Gente como Lula, Odebrecht, Joesley, empresários campeões etc. simplesmente não entende a existência de pessoas como Sérgio Moro; eles têm certeza de que não há seres humanos que não possam ser comprados ou intimidados. O resultado está aí ─ um país que não consegue mais ser governado, porque os governantes não conseguem mais esconder o que fazem, nem controlar a Justiça e a Lava Jato, que a qualquer momento pode bater à sua porta.
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