GUSTAVO BINENBOJM - O Globo
Os argumentos apresentados em justificativa à reforma da Previdência —
não apenas esta, mas qualquer reforma de sistemas previdenciários —
costumam gravitar em torno de razões pragmáticas. Com efeito, os números
falam por si: enquanto a longevidade dos atuais e futuros aposentados
aumenta, o número de pessoas economicamente ativas não cresce na mesma
proporção e, desse jeito, as contas não fecham. Adiar a idade mínima
para a aposentação, ampliar o tempo de contribuição exigido, reduzir
assimetrias entre categorias privilegiadas e trabalhadores comuns têm
sido medidas adotadas pelo mundo afora para que o sistema previdenciário
não quebre.
Por evidente, as razões pragmáticas são muito relevantes. Quando o
Direito vira as costas para a realidade, a realidade vira as costas para
o Direito. Um sistema inviável será sempre intrinsecamente injusto
porque condenará a atual e as futuras gerações ao desamparo, sem
qualquer seguro social diante das vicissitudes da doença e da senectude.
Os cálculos atuariais importam não porque têm valor para os
especialistas em finanças públicas, mas porque representam a
sustentabilidade concreta do modelo de seguridade ao longo do tempo. Por
outro lado, o equilíbrio nas contas da Previdência também interessa ao
desenvolvimento econômico e social, na medida em que recursos de outras
fontes deixam de ser aplicados em educação, saúde e infraestrutura para
custear os benefícios, isso para não falar no efeito sistêmico deletério
de um déficit público crescente e sem adequado equacionamento.
Mas, a par das razões pragmáticas, há também razões de justiça que
fundamentam a reforma da Previdência. Continuar com os parâmetros
antigos de aposentadoria significa, do ponto de vista prático, permitir
que uma geração — a atual — consuma todos os recursos do sistema até o
seu efetivo exaurimento, condenando as gerações futuras, que
contribuíram ao longo de toda a vida, a ver navios. O princípio de
justiça previdenciária aplicável aqui é o mesmo que inspira o direito
ambiental: preservar a biodiversidade, os recursos naturais e o meio
ambiente hígido é um dever jurídico imposto à nossa geração em favor de
nossos filhos e netos. Eles são nossos credores, tanto no plano da
natureza como no da riqueza social.
Outro argumento de justiça diz respeito às diferenças significativas
ainda existentes entre os regimes previdenciários de diferentes
categorias de servidores públicos, e entre estes e os trabalhadores da
iniciativa privada. Por mais que a cantilena de alguns descontentes
insista em tentar justificar seus privilégios, a realidade dos números
evidencia que a maioria trabalha e paga para sustentar as vantagens
comparativas de categorias específicas. O argumento moral de justiça
fiscal deve ser levado ao debate público, sem temor de despertar a ira
de corporações civis ou militares, pois a democracia não pode ser refém
dos interesses rentistas de grupos ou facções.
Por razões históricas, os principais elementos definidores dos nossos
regimes de previdência foram alocados na Constituição. Em virtude dessa
distorção, qualquer reforma da Previdência no Brasil passa,
naturalmente, pela reforma da própria Constituição.
Paciência: nenhuma Constituição é, nem pode ser interpretada, como um
pacto suicida, que condene o país e as futuras gerações à bancarrota. Há
fórmulas e regras de transição que podem ser usadas para preservar
direitos adquiridos e expectativas legítimas daqueles já contribuintes
há muito tempo. Afinal, por mais impopular que possa ser, a reforma da
Previdência não é apenas um problema pragmático de finanças públicas,
mas também uma genuína questão de justiça.
Gustavo Binenbojm é professor da Faculdade de Direito da Uerj
extraídaderota2014blogspot
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