por Carlos Eduardo Gonçalves Folha de São Paulo
Desde tempos imemoriais, Pindorama é o país dos privilégios, dos amigos do rei, da Lei de Gerson.
Cronistas descrevem a estupefação dos estrangeiros no século 18 quando, ao tentar fazer negócios no Brasil Colônia, se deparavam com a pessoalidade das relações, com a importância da influência.
Patrimonialismo, nepotismo, a cordialidade descrita por Sérgio Buarque de Holanda -fomos inventando e absorvendo essa interminável taxonomia que traduz a desigualdade de acesso, a privatização do que é público, o desprezo ao mérito, a facilidade do jeitinho.
Nunca seremos desenvolvidos sem uma reviravolta institucional. Mas ela depende de uma sequência de batalhas, não de uma blitzkrieg.
Os encastelados resistem às mudanças, muitas vezes, com a anuência da maioria.
Vendem o discurso vazio do "nós contra eles". E os sonhadores ignoram coisas como a escassez de recursos e a sua implicação mais óbvia: gastar mais significa cobrar mais impostos.
Alguns casos evidentes de privilégio no Brasil:
1) Universidade pública gratuita: de graça para quem se matricula, mas paga por todos. A pessoa tem dinheiro, frequenta boas escolas, aprende línguas e depois não paga universidade. Por que quem poderia pagar frequenta as melhores universidades do Brasil com o dinheiro dos outros?
Como grupos de esquerda podem condenar a cobrança, uma vez que não cobrar prejudica justamente os mais pobres, que pagam (impostos), mas não frequentam as aulas?
2) Pensões: o sistema de pensões no Brasil não se sustenta sem reforma. Servidores, políticos e trabalhadores formais de renda alta se aposentam cedo. Já os pobres do setor informal não param de trabalhar antes dos 65 anos. A tentativa de reverter isso é combatida pelos que sairiam perdendo, claro. Mas como explicar a oposição dos que falam em nome dos desfavorecidos?
3) Crédito subsidiado: nada justifica retirar somas altíssimas da sociedade para emprestar a taxas abaixo das de mercado para grandes empresas virarem "campeãs nacionais". Por que a esquerda não condena esse Robin Hood às avessas, que agora felizmente vai sendo desmontado de modo gradual?
4) Educação pública de péssima qualidade: é o que mais concentra renda no Brasil, mas não motiva grandes manifestações. Não investimos pouco em educação (sem uma reforma da Previdência, seguramente, teremos que gastar menos), mas temos resultados pífios.
A criança que não vai para uma boa creche e não cursa um bom ensino básico está condenada à informalidade e a baixos salários, com maiores chances de entrar para o crime. Isso é incontroverso.
Estranhamente, porém, é imensa a resistência -majoritariamente da esquerda- a uma reforma administrativa que insira mérito à rede pública, permita a demissão de professores ruins e estabeleça diferenciais de salários ligados à produtividade.
5) Impostos: taxamos muito os bens e serviços, pouco a renda e a propriedade.
Quem dá uma palestra por R$ 20 mil paga só 15% de imposto de renda ao emitir a nota fiscal da sua empresa (de duas pessoas). A alíquota de IR mais alta do país é de meros 27,5%.
Nos EUA, conhecido por taxar pouco os ricos, é de 39,6%. Quando se fala em corrigir isso, contudo, a dita classe média (os 15% a 20% mais ricos) grita.
Precisamos discutir seriamente esses privilégios, sem partidarismos nem maniqueísmos. E sem evocar soluções mágicas que só adiam o futuro.
CARLOS EDUARDO GONÇALVES é professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e economista chefe do site "Porque.com.br"
extraídaderota2014blogspot
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