Carlos Andreazza: O Globo
O homem que declarava esta pérola do liberalismo era o mesmo que, em
2001, atento ao colapso elétrico, vislumbrara no Plano Prioritário de
Termelétricas de FHC a chance de se dar bem. Surgia a Termoluma,
alimentada por gás que a Petrobras venderia abaixo do valor de mercado e
sustentada com o compromisso de que a estatal e o governo do Ceará
comprariam — por cinco anos, com preço mínimo estabelecido — a energia
gerada pela usina.
Tal conjunto artificial de garantias logo abriria as portas do BNDES —
portas que ficariam escancaradas por cerca de dez anos, e pelas quais
escoariam, à margem de critérios técnicos, alguns bilhões em empréstimos
ao Grupo X.
Capitalismo de Estado
O contrato entre a termelétrica e a Petrobras foi assinado em março de
2002 — com a presença de FHC — sem que fosse, contrariando a praxe,
submetido à aprovação da diretoria da estatal.
Em 2005, para estancar o prejuízo, a Petrobras — já sob a gestão petista
— compraria a Termoluma. Eike detinha 51% e investira apenas US$ 1,5
milhão no empreendimento. Ele e os sócios o venderam por US$ 137
milhões, depois de já haverem embolsado cerca de 100 milhões.
Empresário do PT
Eike chegara a 2001 sem maiores relações com políticos. Logo entendeu,
porém, que a vida ficaria fácil se as cultivasse. Ele já conhecia o
caminho quando posou de empreendedor puro. Trilhara-o para desembaraçar a
usina. Mas foi no mês seguinte, novembro de 2002, ao receber uma
rataria de petistas, que se obcecou pela ideia de ser querido em
Brasília.
Lula fora eleito, e havia uma dívida de campanha. A súcia seria direta: o
partido precisava de dinheiro. Foi quando Eike ouviu a expressão
“empresário do PT” — e compreendeu que poderia ser um. Mais: entendeu
que era necessário se tornar um. Um título comprável — e que consistia
em investimento. Aquilo se converteu em meta. E ele doou. A maior parte
por fora.
Abuso de autoridade
A Operação Eficiência, de 2017, talvez não existisse se Eike e Flávio
Godinho tivessem sido pegos na Toque de Midas, de 2008, que desbaratou o
esquema de corrupção armado, a partir de 2004, no governo de Waldez
Góes, para que a MMX ganhasse a licitação da Estrada de Ferro do Amapá.
Para se proteger da ação da PF, a EBX contratou o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos.
Quatro dias depois, como produto de uma reunião entre Lula, Gilmar
Mendes, Tarso Genro e Nelson Jobim, anunciou-se um pacto por uma nova
lei contra o abuso de autoridade; porque se atualizam os renans, mas a
agenda permanece a mesma.
Lobby
A parceria entre Eike e Lula se fortaleceria durante o governo Dilma,
sobretudo em função do Porto do Açu, que abrigaria o estaleiro da OSX,
mais uma empresa forjada artificialmente nos moldes da política de
conteúdo nacional petista. Para tal fim, a reabilitação do Fundo da
Marinha Mercante faria com que um empréstimo de 2,7 bilhões de reais
desaguasse, em 2011, na conta da companhia.
O facilitador Amaury Pires, então diretor do Fundo, fora fundamental
para que o financiamento saísse. Ele chamava Lula de “o instituto”.
O destino da bolha
Dilma visitou o Açu em abril de 2012. O Grupo X já estava quebrado,
tragado pela insolvência da petroleira OGX, e só poderia ser salvo pelo
mesmo governo que o inflara.
Os tempos, porém, eram outros. Em seu discurso, ainda assim, a
presidente definiu Eike como “tipo especial de empreendedor”, “que
delimita o seu sonho de uma forma extremamente ambiciosa.”
Gestava-se o plano de convencer os cingapurianos da Jurong a transferir
ao Açu o estaleiro que erguiam no Espírito Santo. Seria a última chance
da EBX. Em janeiro de 2013, Lula — com Pires — visitou o porto de Eike.
Dez dias depois, o facilitador telefonaria ao embaixador brasileiro em
Cingapura pedindo que marcasse um encontro de Fernando Pimentel,
ministro do Desenvolvimento, com os controladores da Jurong. Isto mesmo:
um agente privado propunha a agenda de um ministro de Estado.
Dois dias depois, o próprio Pimentel telefonou. Na primeira semana de
março, ele e Guido Mantega, como se representantes do Grupo X,
receberiam diretores do estaleiro — e a operação só não foi adiante
porque o conteúdo das tratativas vazou.
O escândalo serviria de pretexto para que o governo — afogado pela
virada da maré na economia — abandonasse Eike a seu real tamanho, o de
uma pasta de dente revolucionária nunca lançada.
A história do Brasil nos últimos 15 anos está no livro “Tudo ou nada”,
de Malu Gaspar, obra de que fui editor, publicada em 2014. Há um filme
ali — um thriller sobre as relações entre público e privado no país, que
prescinde dos desdobramentos da Lava-Jato, a solução fácil.
Só precisa de um roteirista.
extraidaderota2014blogspot
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