"Que ninguém abuse do nome de Deus por meio da violência" Papa Francisco, durante visita de três dias ao Oriente Médio.
Há 50 anos, o mundo via pela primeira vez o mais alto representante da
Igreja Católica nas terras que deram origem a sua crença. Na primeira
visita de um papa a Jerusalém, em 1964, Paulo VI falou apenas aos
cristãos. Não visitou locais de importância histórica e religiosa para
os judeus nem citou Israel pelo nome – o Vaticano só reconheceu Israel
em 1994. Outros dois papas visitaram a Terra Santa nas últimas cinco
décadas. João Paulo II, em 2000, e Bento XVI, em 2009, fizeram o que
faltou a Paulo VI. Rezaram diante do Muro das Lamentações, local sagrado
para a religião judaica. Consolidaram a reconciliação entre a Igreja
Católica e Israel e condenaram publicamente o antissemitismo e o
Holocausto. O aniversário de cinco décadas dessa reaproximação não
passou despercebido pelo papa Francisco. Ele decidiu colocar os pés na
Terra Santa para lembrar a visita de Paulo VI. Como seus mais recentes
antecessores, rezou no Muro das Lamentações e condenou o Holocausto.
Ele, porém, não seria Francisco se não surpreendesse a todos – com
palavras, gestos e um inusitado convite.
O outro lado do muro
Um dia antes de ir ao Muro das Lamentações, Francisco rezou na barreira
erguida por Israel. Ele fez um pedido de paz (Foto: Osservatore
Romano/AP)...
Muita coisa mudou desde 1964. Cisjordânia e Jerusalém Oriental eram
controladas pela Jordânia, e a Faixa de Gaza estava sob poder do Egito –
configuração que só mudou a partir da Guerra dos Seis Dias, vencida por
Israel em 1967. Paulo VI não falava em israelenses, muito menos em
palestinos. Referia-se ao solo em que pisava apenas como Terra Santa.
Francisco optou por não somente reconhecer a nova realidade, mas
enfrentá-la. Diferentemente de João Paulo II e Bento XVI, entrou em
território controlado pela Autoridade Nacional Palestina antes de
visitar Israel. Saiu de Amã, capital da Jordânia, diretamente para a
Cisjordânia. No domingo, dia 25, em seu caminho rumo a uma missa em
Belém, Francisco pediu para descer de seu papamóvel. Dirigiu-se a um
ponto do muro de concreto, de 8 metros de altura, erguido por Israel
para separar comunidades israelenses das áreas palestinas. A barreira –
um muro em áreas urbanas e uma cerca em pontos mais afastados – já tem
mais de 400 quilômetros de extensão. O governo israelense a considera
essencial para evitar ataques terroristas. Os palestinos denunciam a
empreitada como uma forma de Israel tomar parte de suas terras. O papa a
transformou num local de oração. Ao lado de um ponto do muro onde se
lia, em inglês, a frase “Liberte a Palestina”, Francisco inclinou-se,
tocou o concreto com a mão direita e encostou sua testa no maior símbolo
do conflito que já dura 47 anos – guerra que, pouco antes, ele
classificara de “cada vez mais inaceitável”. No mesmo dia, Francisco
convidou os presidentes israelense, Shimon Peres, e palestino, Mahmoud
Abbas, para que se reúnam no Vaticano – e rezem juntos pela paz. A
iniciativa é a mais direta intervenção papal numa questão política desde
os esforços de João Paulo II contra o comunismo em sua terra natal, a
Polônia.
Francisco seguiu em sua viagem de três dias pelo Oriente Médio. Na
segunda-feira (26), em Israel, visitou o memorial Yad Vashem, em
homenagem aos 6 milhões de judeus mortos no Holocausto. “Nunca mais,
Senhor, nunca mais”, disse. Passou o dia acompanhado do rabino Abraham
Skorka e do imã Omar Abboud, seus amigos. No Domo da Rocha, santuário
sagrado do islamismo, afirmou: “Faço um apelo a todos os povos e
comunidades que se miram em Abraão: respeitemos e amemos uns aos outros
como irmãos e irmãs. Que ninguém abuse do nome de Deus por meio da
violência”. No Muro das Lamentações, repetiu o gesto de João Paulo II e
Bento XVI. Rezou por mais de um minuto e depositou entre suas pedras um
papel com uma mensagem pela paz. As tensões do conflito entre Israel e
palestinos voltaram ao roteiro papal. O premiê israelense, Benjamin
Netanyahu, pediu que o papa visitasse o memorial às vítimas de
terrorismo palestino no cemitério militar do Monte Herzl. Francisco
ouviu de Netanyahu a descrição de um atentado que matou uma menina de 10
anos. Após um momento de silêncio, disse: “Neste lugar de profunda dor,
quero dizer que o terrorismo é ruim, o caminho do terrorismo é
fundamentalmente criminoso”.
Como já era esperado, todos ficaram impressionados com a visita –
judeus, muçulmanos e os cristãos que viram o papa nos locais sagrados
para o cristianismo. O que Francisco deixou a mais foi um compromisso,
seu e dos anfitriões. Ele mostrou se importar com as questões mais
delicadas do estado de guerra em que os dois povos da Terra Santa ainda
se encontram e convidou seus representantes a compartilhar sua visão de
mundo. Convidou a Terra Santa a viver em paz.
Fonte: ROGÉRIO SIMÕES - revista Época
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Fica conosco Senhor... Atitudes...
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