Os políticos bradam, mas são as urnas que têm a última palavra. Muitas vezes para surpresa geral. Foi assim no domingo, na Costa Rica, onde quatro candidatos disputaram com chance real a cadeira da presidente Laura Chinchilla. Todos previram uma surra. Ou, quem sabe, uma revolução, com tintas bolivarianas.
Os mais exaltados já imaginavam revoadas de funcionár5ios venezuelanos e cubanos sobre San José, com delegações iranianas a tiracolo. "Chavismo 2.0", advertia Federico Delgado, ex-conselheiro das Nações Unidas, em tom de espanto.
Contados os votos, deu-se a frustração. Quem levou o melhor foi Luís Guillermo Solís, um historiador de centro-esquerda, com 30,95% dos votos, 1 ponto à frente de Johnny Araya, do Partido da Libertação Nacional, do governo. Até aí, ninguém estranhou.
Primeira mulher a presidir o país centro-americano, Laura Chinchilla conduziu bem a economia, mas perdeu a batalha da simpatia. Encerra seu mandato com o aplauso de apenas 9% e a reprovação de 60%, a pior avaliação dos últimos 20 anos.
O desdém respingou no candidato governista, Araya, que passou a campanha na defensiva.
Pudera. De nada adiantou a economia robusta, que cresce a 4,7% ao ano desde 1987, e a abertura agressiva de mercados que o governo Chinchilla promoveu. Ela quis converter a Costa Rica, modelo da democracia na região, também em plataforma de negócios para o istmo americano. Falaram mais alto seus descaminhos.
Em viagem pessoal ao Peru, pegou carona em um avião cujo dono é suspeito de ligações com o tráfico de drogas. Foi forçada a demitir um diretor de estatal que entregou uma refinaria de petróleo a um grupo chinês, com base em um relatório de impacto ambiental assinado por sócios do mesmo grupo.
Em vez de melhorar o ambiente de negócios, seus incentivos acabaram premiando alguns interesses obscuros, levando polêmica à campanha. Com toda sua reputação de reformista, Chinchilla pouco fez para amenizar a pobreza. Apesar de ter dezenas de programas sociais, a Costa Rica é um de três países na América Latina onde a desigualdade entre ricos e pobres aumentou na última década, segundo Juan Carlos Hidalgo, analista político do Instituto Cato.
Aposta. Um ambiente perfeito para uma guinada radical, cantavam os observadores mais entusiasmados. Melhor para José María Villalta, deputado da Frente Ampla, da esquerda dura. Ao longo da campanha, o socialista liderou as pesquisas. Com seu libelo contra o "neoliberalismo" e promessas de taxar os ricos, nacionalizar indústrias e redistribuir terras, o novato político sacudiu o país, cansado de décadas da mesmice bipartidária. Até o forte compromisso costa-riquenho com a democracia ficou abalado, segundo uma sondagem da Universidade de Vanderbilt.
Militantes de esquerda o viram como redentor. Partidários do centrista Araya, ex-prefeito de San José, tacharam-no de chavista, com verniz reformador. Já os eleitores foram mais ponderados. De líder absoluto nas pesquisas, Villalta ficou num distante terceiro lugar, com 17%. O despenho foi decepcionante, mas longe de uma derrota. A Frente Ampla pode dilatar sua bancada de um deputado (ele mesmo) para 10 dos 57 assentos do Congresso. Seu eventual apoio a Solís pode ser o fiel da balança no segundo turno, em abril, levando um governo de centro-esquerda ao palácio.
Sairá Chinchilla, a líder reformista que desmoralizou a moderação. Mas daí para a órbita bolivariana há um salto quântico. Bem maior que os ponderados "ticos" parecem prontos a dar.
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