Rafael Fantin, Gazeta do Povo
Após frustrar a expectativa de uma conta de energia elétrica mais barata no bolso do brasileiro, a Itaipu Binacional vai fechar o ano no vermelho sob a administração do governo federal petista.
Ao invés da economia prevista após a quitação do bilionário financiamento de 50 anos para a construção da hidrelétrica em Foz do Iguaçu (PR), na divisa do Brasil com o Paraguai, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou o saldo negativo de R$ 333 milhões na conta da Itaipu Binacional em 2024.
Para o setor elétrico, o direcionamento de recursos da usina para eventos controversos e convênios com fins político-partidários pesam no cofre da empresa sob administração do governo federal e desequilibra o orçamento da Itaipu Binacional, que deveria manter o princípio de fornecimento da energia elétrica com o menor custo possível para o desenvolvimento econômico nacional.
Caso a situação não seja revertida por meio de um aporte financeiro, o prejuízo milionário pode chegar na conta de energia elétrica com reajuste da tarifa cobrada do brasileiro para cobertura do rombo.
Conforme o documento da Aneel, foi previsto mais de 301 milhões de dólares para compensação do impacto tarifário na conta de energia do brasileiro em 2024 após a assinatura do novo acordo entre Brasil e Paraguai em maio deste ano. O Custo Unitário do Serviço de Eletricidade (Cuse) foi fixado em US$ 19,28/kW mês até 2026.
Atualmente, a tarifa de repasse da potência contratada está no valor de US$ 17,66/kW mês com prorrogação até 31 de março. No entanto, a previsão de aporte para 2025 é de 293,8 milhões de dólares para compensação tarifária, montante considerado insuficiente pela Aneel para manter o mesmo patamar sem impacto no custo da energia para o consumidor final.
Na avaliação do presidente do instituto Acende Brasil, Claudio Sales, o cenário é resultado da atual política do governo federal que direciona os recursos da Itaipu Binacional para uma série de eventos sob a justificativa que leva à rubrica de “custos socioambientais”.
“Isso se constitui em um orçamento paralelo gigantesco, que no caso do Brasil é operado pelo governo sem nenhum controle das instituições que, normalmente, atuam sobre o uso do orçamento público, como o TCU [Tribunal de Contas da União] ou o Congresso Nacional. A Itaipu é uma empresa binacional e as decisões tomadas pelos dois países são implementadas”, diz Sales.
Ele lembra que a consequência das negociações do novo tratado Brasil-Paraguai após a quitação do financiamento para construção da usina é uma tarifa mais alta aos consumidores nacionais. “Isso é que faz o brasileiro pagar uma conta de energia absurda para inflar esse orçamento paralelo”, acrescenta o presidente do Acende Brasil. Segundo ele, estudos apontavam para uma tarifa técnica entre US$ 12 e US$ 14/kW mês no novo acordo binacional.
Em nota enviada à Gazeta do Povo, a Itaipu Binacional respondeu que a alegação de prejuízo de R$ 333 milhões no ano “carecem de fundamentos válidos e revelam desconhecimento sobre o regramento e a legislação aplicável”.
“A gestão da ‘conta de comercialização de Itaipu’ possui regulação e fiscalização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A composição da ‘tarifa de repasse de Itaipu’, supostamente indicada como a causa para um déficit na conta de comercialização, tem componentes adicionados ao Custo Unitário dos Serviços de Eletricidade de Itaipu (Cuse) que não são geridos ou administrados por Itaipu. Logo, superávit ou déficit da ‘conta de comercialização de Itaipu’ não impactam no resultado patrimonial da empresa”, argumenta a atual gestão.
A diretoria de Itaipu também confirmou que irá realizar aportes para compensar a diferença de tarifa de 16,71 dólares para 19,28 dólares junto à ENBPar e garantiu a disponibilidade orçamentária para a compensação nos anos de 2025 e 2026.
Aporte na conta de energia elétrica ou patrocínio com dinheiro da Itaipu?
Sales explica que a tarifa é calculada com base no atual Cuse, mais o custo da energia cedida ao Brasil pelo Paraguai e somada ao saldo da conta negativa de Itaipu. Com isso, ele calcula que a nova tarifa chegue a U$ 18,72/kW mês no próximo ano, o que representa um aumento de 6% no custo.
“Agora, a decisão está com o governo. Ou aumenta a tarifa e passa a cobrar mais dos consumidores ou aumenta o cashback, que foi de 301 milhões de dólares em 2024 e está previsto para 293,8 milhões de dólares para compensação da diferença de 6% do custo em dólares. Aumentar o cashback significa diminuir os gastos absurdos que o Brasil faz com esse orçamento paralelo”, aponta o presidente Acende Brasil.
Sales explica que o aporte “cashback” é proveniente do próprio cofre da Itaipu Binacional e concorre com a aplicação em outras áreas sem relação com o setor de energia, conforme as decisões políticas do governo federal. “Esse dinheiro do cashback vem da gordura enorme que Itaipu tem. Com esse orçamento paralelo, o governo aplica onde ele quiser e destinou uma parte desse montante para esses eventos”, critica.
Na semana passada, a Aneel determinou que o Ministério de Minas e Energia e a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional S.A. (ENBPar), que assumiu o controle da Eletrobras após a privatização, apresentem em 45 dias as medidas adicionais necessárias para a manutenção da tarifa de repasse no patamar vigente, sem ônus adicional ao consumidor brasileiro.
MST, COP 30 e crítica à Lava Jato: eventos são patrocinados por orçamento da Itaipu
Desde que o PT assumiu a gestão do caixa de Itaipu e as negociações do novo acordo com o Paraguai em 2023, a hidrelétrica binacional passou a patrocinar eventos controversos com cunho político-partidário. No ano passado, a administração da empresa destinou R$ 60 mil para o evento "Balanço Crítico da Lava Jato – Passando a limpo o maior caso de lawfare da história nacional", promovido pela USP em outubro de 2023.
A direção da Itaipu, comandada pelo petista Ênio Verri, justificou à época que o evento tinha objetivo de debater a operação “visto que com o distanciamento histórico de quase dez anos do início dessa ação de combate à corrupção é possível fazer um balanço dos impactos ocorridos em vários setores da economia nacional, como no setor de energia, petróleo e de construção civil”.
De acordo com o levantamento da Gazeta do Povo, entre janeiro de 2023 e maio de 2024, a Itaipu Binacional destinou cerca de R$ 4,5 bilhões para convênios e parcerias. Verri afirmou que além de produzir energia limpa e barata, a empresa tem o compromisso de investir em projetos sociais e ligados ao meio ambiente.
O montante mais expressivo de R$ 1,3 bilhão foi destinado a Belém, capital paraense, para melhorias na infraestrutura da cidade sede da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30) no final do ano de 2025. O governo Lula participou diretamente da campanha para trazer o evento internacional para a capital do Pará, que faz parte da região amazônica. A cidade está localizada a 3,3 mil quilômetros da sede da Itaipu em Foz do Iguaçu, na fronteira com o Paraguai.
Além dos eventos, a usina hidrelétrica passou a firmar acordos e convênios, entre eles, uma parceria com a Cooperativa Central da Reforma Agrária do Paraná (CCA-PR), que integra o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST). Até 2027, quase R$ 81 milhões serão destinados ao parceiro para assistência técnica, fomento à produção de alimentos pela agricultura familiar e outros projetos.
Questionada pela Gazeta do Povo sobre o uso dos recursos do caixa da empresa para os eventos, a Itaipu Binacional respondeu que os "investimentos em iniciativas culturais e sociais não impactam a tarifa de energia elétrica dos consumidores brasileiros". Além disso, a atual gestão da usina hidrelétrica justifica que os repasses para os eventos e convênios estão previstos no "acordo tarifário vigente."
"As decisões relacionadas a esses patrocínios seguiram processos internos rigorosos, amparados por práticas de governança que garantem a transparência, a legalidade e o alinhamento estratégico aos objetivos institucionais da Itaipu", respondeu a empresa em nota.
Rafael Fantin, Gazeta do Povo
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