Gabriel Wilhelms
Meus caros, não há limites para o nível no qual os censores contemporâneos estão dispostos a chegar para nos tolherem nosso sagrado direito à liberdade de expressão. Durante julgamento sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que trata das possibilidades de responsabilização das plataformas sobre conteúdo nelas publicado (o qual será certamente ferido de morte pela suprema corte), Dias Toffoli, referindo-se ao lamentável e hediondo episódio no qual um PM de São Paulo aparece em um vídeo jogando um homem de uma ponte, proferiu o seguinte descalabro: “Podemos entender que aquilo que aquele PM fez na ponte é liberdade de expressão? Se levarmos a liberdade de expressão ao absoluto, ele estaria protegido por ela. A liberdade de expressão abarca qualquer expressão?”
Por um lado, não quero tratar o leitor como um boçal explicando o absurdo do argumento, o qual salta às vistas instantaneamente; por outro, um país no qual um ministro da suprema corte se sente confortável para cometer esse tipo de baixaria em um julgamento é um país no qual o óbvio precisa ser recordado. Pois bem, como é claro para os seres pensantes, não só deste Brasil varonil, mas da face da Terra como um todo, liberdade de expressão, no ordenamento jurídico, se refere à expressão de ideias, seja de forma falada, escrita, gravada, etc. Em sentido linguístico, é óbvio que podemos falar que determinado ato foi uma “expressão de ódio”, ou coisa que o valha, mas por liberdade de expressão, sobretudo no âmbito da discussão que agora ocorre no STF, nos referimos sempre à propagação de ideias e opiniões, não a atos, em especial, atos físicos contra outras pessoas. Um PM jogar alguém de uma ponte, assim como um marido agredir sua esposa, não tem relação alguma com a liberdade de expressão. Aliás, seria absurdo invocar isso nesses casos, tal como em outros de violência, pois se trata de crimes devidamente tipificados.
O que vemos na fala de Toffoli é o modus operandi que tem sido adotado há anos para viabilizar a censura no país. Percebam que, embora a ação seja sobre o Marco Civil da Internet e se intencione apertar o cerco sobre a livre expressão nas redes sociais, o ministro usa um caso de violência real, ocorrida fora das redes, para justificar a censura na internet. Ora, o simples fato de sentirem a necessidade de fazer apelos dessa natureza demonstra a fragilidade do terrorismo que tentam fazer com as redes sociais, dizendo, de forma mentirosa, que elas são “terra sem lei”. A internet no Brasil não é terra sem lei, e é até irônico que aqueles que prometem combater as fake news propaguem esta que é essencialmente uma fake news. O Marco Civil é o produto de muito tempo de debate no parlamento brasileiro, é a expressão da democracia, e está muito claro ali que as redes não estão à margem da lei. Ocorre que o Marco foi feito para uma democracia, o que não satisfaz os nobres ministros do STF que querem ditar o que pode ser dito e quem pode dizer. Não surpreende que esse argumento, outro a merecer a latrina da história do Direito nesse país, parta de Toffoli, o responsável pela instalação do abusivo e ilegal inquérito das fake news em março de 2019.
Na mesma toada, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, defendeu, em café com jornalistas na quarta-feira, os indiciamentos ilegais dos deputados Marcel Van Hattem (NOVO-RS) e Cabo Gilberto Silva (PL-PB), por falas proferidas na tribuna da Câmara dos Deputados. Contra a imunidade parlamentar, Andrei profere a seguinte sandice: “Imaginem chegar na tribuna da Câmara e, por exemplo, anunciar ali a venda de cocaína, de maconha, de crianças. É liberdade de expressão isso? Isso é crime. Atacar a honra das pessoas é crime igual […] Se houve crime, a polícia apura. É o fluxo normal.”
Vejam a que ponto chegam o apelo escatológico e a desonestidade intelectual dos censores. Assim como atirar alguém de uma ponte não tem nada a ver com liberdade de expressão, também não tem o tráfico, seja de drogas ou humano. Já “atacar a honra” é crime de opinião, e o artigo 53 da Constituição Federal é taxativo: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.”
Se Andrei apela a tal estrume retórico, certamente é para ignorar que tanto Van Hattem quanto Cabo Gilberto se tornaram alvos por tecer críticas e apresentar uma grave denúncia contra o delegado da PF, Fábio Alvarez Schor, responsável pela produção de inquéritos, no entender de Van Hattem fraudulentos, que mantiveram o ex-assessor de Bolsonaro, Filipe Martins, preso indevidamente. Como é de conhecimento público, Martins foi alvo de uma prisão preventiva por um suposto risco de fuga, já que teria viajado para os EUA no final de 2022. Ocorre que desde o início sua defesa demonstrou, de forma inequívoca, que ele estava no Brasil no período. Mesmo com provas cabais, amplamente divulgadas na imprensa, de que a tal viagem nunca teria ocorrido, ele ficou indevidamente preso por seis meses. É por denunciar um erro e um abuso, aliás, parte importante da função de um parlamentar, que ambos os deputados estão sendo perseguidos, e esta é a palavra, pelo consórcio autoritário (para usar a expressão do meu amigo e diretor deste Instituto, Lucas Berlanza) do qual, lamentavelmente a PF tem feito parte, atuando como uma verdadeira KGB, ou Gestapo.
Dessa forma, com esse tipo de argumento, a censura vem sendo viabilizada no Brasil. Tentam convencer a população de que nós, que ainda arriscamos nosso pescoço em defender a livre expressão de ideias e opinião, estamos interessados em legalizar a violência policial, o tráfico de drogas, a pedofilia, a violência doméstica etc. Não há limites para onde estão dispostos a chegar, ou que cartas se propõem a empunhar em seu jogo sujo. Mas sigamos confiantes, pois a história reserva um local especial para essa turma.
Fontes:
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/corregedoria-da-pm-pede-prisao-de-soldado-que-jogou-homem-de-ponte-em-sp/
https://www.poder360.com.br/poder-justica/toffoli-liberdade-de-expressao-absoluta-protegeria-pm-em-caso-da-ponte/
https://www.poder360.com.br/poder-justica/nao-ha-imunidade-absoluta-diz-diretor-geral-da-pf-ao-rebater-lira/
PUBLICADAEMhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/justica/a-desonestidade-intelectual-dos-censores/
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